Doença renal crônica em gatos – estadiamento e manejo clínico

Empresa

Royal Canin

Data de Publicação

11/06/2015

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Doença renal crônica em gatos – estadiamento e manejo clínico

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 A doença renal crônica (DRC) é uma enfermidade comum na espécie felina, sendo considerada a doença mais comum de gatos idosos e a segunda maior causa de óbito em pacientes geriátricos. Possui prevalência variada de acordo com a faixa etária do indivíduo, chegando a acometer aproximadamente 49% dos gatos com mais de 15 anos de idade.

Embora incurável , a DRC pode ser controlada, visando aumentar a qualidade e a expectativa de vida dos animais acometidos.

 

Etiologia

 A nefrite túbulo-­‐intersticial crônica é a principal causa da doença renal crônica em gatos.

No entanto, este achado somente reflete um padrão lesional comum frente a diversos fatores incitantes diferentes. Na maioria das vezes, a causa incitante da lesão e da perpetuação do dano renal é desconhecida.

Outras causas frequentes de lesão e doença renal crônica são as glomerulonefrites, amiloidose, pielonfrite, doença policística, nefrólitos e neoplasias.

 

Classificação

No passado, a DRC era classificada em discreta, moderada e importante, além de possuir outras nomenclaturas, como "insuficiência renal crônica” e “falência renal”. As diversas classificações e terminologias geravam divergências e diferentes condutas de classificação frente a um mesmo caso. Visto isso, a International Renal Interest Society criou um sistema de classificação  uniforme,  baseado  primariamente  em  valores  séricos  de  creatinina,  e  com  sub-­‐ classificações baseadas na proteinúria e na pressão arterial sistêmica.

Este sistema de estadiamento é o padrão utilizado na atualidade, tanto para a definição de manejo e diagnóstico clínico, quanto em pesquisas.

Os animais são classificados em: 

Estágio 1: neste estágio, não azotêmico, o animal já apresenta alguma anormalidade renal macroscópica (alteração no tamanho à palpação), alteração em exames de imagem (tamanho, ecogenicidade, forma), proteinúria renal, alteração histológica ou perda de capacidade de concentração urinária. Valores de creatinina menores que 1,6 mg/dL.

Estágio 2: com a progressão da doença, nesta fase o animal já possui diminuição da taxa de filtração glomerular e possui azotemia discreta, bem como manifestações clínicas brandas. Perda de cerca de 2/3 da função dos néfrons. Valores de creatinina entre 1,6 mg/dL e 2,8 mg/dL.

Estágio 3: animal com azotemia renal moderada, com diversas manifestações clínicas presentes. Valores de creatinina entre 2,8 mg/dL e 5,0 mg/dL.

Estágio 4: azotemia importante, síndrome urêmica. Valores de creatinina maiores que 5,0 mg/dL.

 


É importante ressaltar que, embora o sistema de estadiamento seja baseado nos valores séricos de creatinina, este não pode ser aplicado a animais com azotemia pré e pós renal ou necropatia descompensada. O animal deve estar estabilizado e corretamente hidratado para a correta aplicação deste sistema de classificação.

Os estágios acima discernidos são complementados com a pesquisa de proteinúria (relação proteína: creatinina urinária – RPCU) e avaliação da presença de hipertensão arterial sistêmica (risco de lesão em órgão alvo – LOA), da seguinte forma:


*LOA –Lesão em órgãos alvo; lesão em sistema nervoso central (encefalopatia hipertensiva), olhos (retinopatia/coroidopatia hipertensiva), sistema cardiovascular (hipertrofia miocárdica) ou rins (glomerulopatia hipertensiva).

 

Manifestações clínicas e abordagem

As manifestações clínicas podem ou não estar presente na fase inicial da doença, e geralmente são inespecíficas (desidratação, disorexia, prostração, vômito esporádico). Com a progressão da doença, anorexia, perda de peso, poliúria/polidipsia, anemia não regenerativa, diminuição do tamanho dos rins à palpação, hálito urêmico e úlcera urêmica podem ocorrer.

No geral a abordagem ao paciente nefropata visa a:

  • caracterizar a doença renal, pesquisando possíveis causas associadas;
  • estadiar o processo, avaliando a perda da função;
  • pesquisar os problemas associados à DRC, realizando o manejo clínico; quando a causa for conhecida, investir no tratamento direto da causa (p.e., pielonefrite).

 

Hipertensão

A DRC é a principal causa de hipertensão arterial sistêmica na espécie felina. Entre 20% e 50% dos gatos com DRC são hipertensos, com valores de pressão arterial sistólica maiores que 160mmHg, com ou sem LOA.

A hipertensão pode ocorrer em qualquer fase da DRC, e não está correlacionada com os valores de creatinina séricos. Em cães e humanos, a hipertensão é considerada fator de maior risco de progressão da doença, e o mesmo é assumido para a espécie felina.

A amlodipina é o fármaco de escolha no tratamento da hipertensão arterial sistêmica em gatos, pois possui melhor efeito na redução de níveis pressóricos quando comparada aos inibidores da enzima conversora do angiotensina (iECA). Quando a amlodipina não é eficiente no controle, pode-­‐se adicionar iECA, como o benazepril.

 

Proteinúria

A proteinúria também é um fator de risco na progressão da DRC, e valores na RCPU maiores que 0,4 estão associados a menor tempo de sobrevida.

O tratamento de proteinúria renal é indicado em gatos com RCPU > 0,4 e pode ser feito com uso de iECA, como o benazepril ou enalapril. A utilização destes fármacos visa à dilatação da arteríola eferente, reduzindo a hipertensão glomerular e diminuindo, assim , a protenúria.

Os  iECA  são  contra-­‐indicados  em  gatos  hipovolêmicos  ou  desidratados  e  podem  agravar  a azotemia nos pacientes descompensados.


Manejo dietético

Redução dietética de fósforo aliada à correção da qualidade e quantidade proteica ingerida são os pontos principais no manejo de gatos com DRC. O manejo dietético está associado à melhora na qualidade de vida e maior expectativa/tempo de sobrevida. As dietas específicas para pacientes nefropatas possuem restrição proteica adequada, sem redução na quantidade de aminoácidos essenciais e energia (com o uso de proteína de alto valor biológico), além de redução no montante de fósforo. O uso de alimento específico para nefropatas está associado ao aumento da expectativa de vida e à redução de crises urêmicas, e é indicado para animais com DRC em estágios II, III e IV. Também é de fundamental importância citar que o suprimento calórico possui papel impactante do ponto de vista nutricional no paciente nefropata.

 

Acidose metabólica

Gatos com DRC possuem menor excreção de íons hidrogênio, resultando em acidose metabólica. Manifestações clínicas resultantes da acidose metabólica são similares às manifestações urêmicas, como anorexia, náusea, vômito e prostração. No geral, as dietas específicas para nefropatas são alcalinizantes, controlando as manifestações na maioria dos pacientes. No entanto, alguns pacientes podem necessitar de fluidoterapia e suplementação de agentes alcalinizantes, como o citrato de potássio ou bicarbonato de sódio (de preferência, com o uso de hemogasometria na titulação e controle de doses).

 

Hiperfosfatemia e hiperparatiroidismo renal secundário (HRS)

A fisiopatogenia do HRS é multifatorial e envolve a retenção de fósforo, hiperfosfatemia, baixos valores de calcitriol circulantes e reduzidas concentrações de cálcio ionizado. A hiperfosfatemia e o HRS são os principais fatores envolvidos na progressão da DRC, sendo o paratormônio (PTH) considerado a principal toxina urêmica envolvida.

Pacientes com o produto das concentrações de cálcio e fosfatos séricos maiores que 55 a 60 mg/dL possuem risco de calcificação de tecidos moles.

O uso de dietas específicas comprovadamente auxilia no controle da hiperfosfatemia e consequentemente do HRS em gatos com DRC graus II e III, sendo a abordagem terapêutica de eleição. Se o paciente permanecer com hiperfosfatemia ou elevação do PTH sérico após quatro a seis semanas de uso da dieta específica, terapêutica com quelantes de fósforo (carbonato de cálcio ou hidróxido de alumínio), bem como o uso de calcitriol são indicados.

Os níveis ideais de fósforo sérico para pacientes nefropatas são:

  • DRC estágio II – entre 2,5 e 4,5 mg/dL
  • DRC estágio III – entre 2,5 e 5,0 mg/dL
  • DRC estágio IV – entre 2,5 e 6,0 mg/dL

Pacientes com níveis de fósforo sérico acima de 6,6 mg/dL possuem índice de mortalidade 13% maior que gatos normofosfatêmicos e pacientes com níveis maiores que 7,9 mg/dL possuem mortalidade 34% maior.

 

Hipocalemia

A depleção de potássio é um achado comum em gatos com DRC, acometendo entre 20 e 30 % dos animais. Anorexia, dietas acidificantes, acidose metabólica, poliúria/polidipsia e vômito podem contribuir com a hipocalemia.

A hipocalemia pode agravar quadros de anorexia, além de causar prostração, fraqueza muscular e ventroflexão cervical. Além das manifestações clínicas descritas, a hipocalemia pode reduzir a taxa de filtração glomerular (nefropatia hipocalêmica), piorando o quadro renal instalado.

A mensuração eletrolítica deve ser sempre realizada em pacientes nefropatas, e a suplementação é indicada em pacientes com concentrações séricas menores que 3,5 mg/dL (com gluconato de potássio – 2 a 6 mEq/gato/dia – ou citrato de potássio).


Figura 1: Ventroflexão hipocalêmica


Anemia

A anemia não regenerativa observada em gatos com DRC resulta da combinação da redução de produção de eritropoietina, menor tempo de vida das hemácias circulantes, perda sanguínea intestinal e efeito das toxinas urêmicas (p.e, PTH) na eritropoiese. Além disso, deficiências nutricionais (p.e. vitaminas do complexo B) e depleção de ferro contribuem na anemia associada à DRC. A anemia contribui com a anorexia e prostração, além de ser um fator de prognóstico negativo na doença.

O uso de esteroides anabolizantes é de pouco eficácia, sendo a eritropoietina recombinante humana mais indicada e eficaz. A utilização deve ser reservada a pacientes com anemia moderada (Ht<18%), pois seu uso está associado ao desenvolvimento de anticorpos e perda de efetividade em cerca de 25 a 30% dos gatos.

Em animais com desenvolvimento de anticorpos anti-­‐eritropietina, com pouca responsividade à eritropoietina, ou em quadros de anemia grave, a transfusão sanguínea é indicada.

 

Manejo anorexia/Náusea

A gastrina, responsável pelo estímulo da secreção de ácido clorídrico do suco gástrico, é um hormônio eliminado exclusivamente por via renal.

Com a perda de funcionabilidade dos rins, há menor excreção renal desta substância resultando em hipergastrinemia e consequente ulceração gastrintestinal, gerando anorexia, náusea e vômito. Há, também os efeitos diretos das toxinas urêmicas no centro do vômito e na zona deflagradora, piorando as manifestações.

Desta forma, o uso de fármacos protetores de mucosa (antagonistas de receptores H2 ou inibidores da bomba de H+) são indicados. Gatos que continuam nauseados ou com êmese, mesmo com o uso de protetores de mucosa, podem se beneficiar com o uso de anti-­‐eméticos como a ondasetrona ou o maropitant.

 

Sobre o Autor

Prof. MSc Alexandre G. T. Daniel

Gattos -­‐ Clínica Especializada em Medicina Felina Universidade Metodista de São Paulo