Ceratite Ulcerativa em Cães e Gatos

Empresa

Labyes

Data de Publicação

10/09/2015

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Informações Gerais

A úlcera de córnea ou ceratite ulcerativa é uma das afecções oculares mais frequentes em cães e gatos, se caracteriza pela solução de continuidade do epitélio da córnea levando à exposição do estroma subjacente. O paciente apresenta sinais clínicos de desconforto (blefaroespasmo, fotofobia, epífora), secreção de aspecto variável, purulenta na presença de contaminação, podem ocorrer edema e opacidade da córnea, eritema conjuntival e até sinais de uveíte secundária (miose, hipópio). Úlceras superficiais não complicadas cicatrizam rapidamente, mas em casos mais graves como lesões estromais, profundas ou contaminadas, a evolução pode ser negativa resultando no desenvolvimento de sequelas como opacidades cicatriciais importantes na córnea, sinéquias anteriores, prolapso de íris, endoftalmite e até a perda da visão e do olho afetado, com indicação de enucleação. Portanto, as ceratites ulcerativas sempre requerem atenção do médico veterinário, tratamento especifico e adequado de acordo com a gravidade da lesão e sua causa. O exame clínico oftalmológico completo é fundamental para determinar a causa, as ceratites ulcerativas podem estar associadas às alterações palpebrais (entrópio, euribléfaro ou neoformações), anomalias de cílios (distiquíases, triquíases ou cílios ectópicos), ceratoconjuntivite seca, traumas, defeitos epiteliais crônicos, contato com produtos químicos, corpos estranhos, etc. Em felinos frequentemente está associada à infecção por Herpes Vírus Felino–1 (HVF-1). Além disso, é fundamental classificar a lesão com relação à sua profundidade, pois esta informação é determinante na escolha do tratamento. As úlceras de córnea podem ser classificadas como: superficiais, estromais, descemetoceles ou perfurações corneanas. A contaminação secundária pode levar ao desenvolvimento de úlceras progressivas ou ceratomalácia (“melting”), condição que pode se agravar rapidamente com risco de ruptura da córnea, em função de enzimas proteolíticas produzidas pelas bactérias, entre elas a Pseudomonas spp.

Em cães: As ceratites ulcerativas podem ocorrer em cães de qualquer idade, sexo ou raça, considerando-se a ampla gama de etiologias envolvidas. Porém, algumas raças são mais predispostas, por apresentarem com maior frequência outras alterações relacionadas à etiologia das úlceras, tais como defeitos palpebrais e de cílios ou ceratoconjuntivite seca. Em virtude da conformação facial, presença de pregas faciais e olhos proeminentes, cães de raças braquicefálicas são os mais predispostos a estas afecções. Associa-se a estes fatores a alta prevalência de ceratoconjuntivite seca nestas raças. Também podem estar mais predispostas ao desenvolvimento de ceratiites ulcerativas raças com dobras cutâneas importantes na face como Shar Pei e Chow Chow, por apresentarem alta incidência de deformidades palpebrais, como entrópio.

Em gatos: Em gatos as ceratites ulcerativas também podem ser diagnosticadas em qualquer raça, dependendo da sua etiologia. Gatos braquicefálicos, como Persa, são mais predispostos ao desenvolvimento de entrópio. Nesta espécie a infecção por Herpes Vírus Felino-1 (HVF-1) é causa frequente de conjuntivites e ceratoconjuntivites de gravidade variável.

O diagnóstico é baseado na apresentação clínica do paciente e no resultado positivo para o teste de fluoresceína, corante que adere ao estroma exposto na lesão.

Em lesões estromais, principalmente com sinais de contaminação, a realização de cultura e antibiograma pode ser fundamental para escolha da terapia adequada. A citologia também pode ser útil nestas situações. Porém o tratamento deve ser iniciado de imediato após o diagnóstico e se necessário alterado com base no resultado destes exames.

As ceratites ulcerativas devem fazer parte do diagnóstico diferencial do olho vermelho, que inclui diversas afecções oculares, dentre as quais podemos citar conjuntivites, ceratoconjuntivite seca, uveíte e glaucoma. Além disso, devem ser diferenciadas de outras opacidades de córnea como degenerações, distrofias, ceratopatia da Florida, etc. O exame clínico oftalmológico completo e detalhado é fundamental para este diagnóstico diferencial.

A escolha do protocolo terapêutico deverá ser baseada nas informações obtidas durante o exame clínico, com relação à profundidade da lesão, sua causa e a presença ou não de contaminação. O protocolo pode ser estabelecido por diversas formas de associação das seguintes modalidades terapêuticas: 1. Antibiótico – A instituição de protocolos de antibioticoterapia tópica deve ser considerada em todas as circunstâncias em que há solução de continuidade do epitélio da córnea. A escolha do princípio ativo e da frequência de aplicação do mesmo será baseada na condição do córnea ao exame clínico: Ceratites superificiais não complicadas, cuja causa de base pode ser retirada (ex: correção do entrópio) devem cicatrizar rapidamente, nestes casos o objetivo da antibioticoterapia é prevenir a infecção secundária, a frequência de aplicação dos colírios antibióticos pode ser de 2 a 4 vezes ao dia; Em lesões estromais profundas ou com sinais de contaminação esta frequência deve ser maior, podendo ser até a cada 1 ou 2 horas nos casos mais críticos. Antibióticos sistêmicos não atingem concentrações terapêuticas significativas no filme lacrimal, a sua utilização associada à terapia tópica está indicada em lesões profundas e contaminadas, com uveíte associada ou risco de ruptura da córnea. A tobramicina (aminoglicosídeo) ou as fluoquinolonas de segunda geração (ciprofloxacina – Ciprovet, ofloxacina) são amplamente utilizadas no tratamento das ceratites ulcerativas não complicadas. Em lesões mais profundas ou contaminadas, as drogas de escolha inicialmente são as fluoquinolonas de quarta geração, como a gatifloxacina e moxifloxacina, mas a cultura e o antibiograma são fundamentais para determinação da terapia mais eficiente em cada situação. 2. Midriáticos – A estimulação dolorosa da córnea pode causar uveíte reflexa e miose, o que agrava o quadro doloroso nas ceratites ulcerativas. O Cicloplégico tópico pode ser indicado para dilatar a pupila reduzindo este desconforto, assim Atropina em colírio a 1%, pode ser utilizada nos primeiros dias de tratamento até a obtenção de midríase. É importante lembrar que a atropina reduz a secreção lacrimal, portanto deve ser usada com muita cautela em pacientes com diagnóstico ou predispostos à ceratoconjuntivite seca e é contraindicada na presença de glaucoma. 3. Anti-inflamatórios – Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) tópicos devem ser usados com cautela no tratamento das ceratites ulcerativas, pois retardam a cicatrização e alguns relatos os têm associado ao agravamento das lesões e até à ruptura da córnea. São contraindicados na presença de Herpes Vírus ou outras infecções. Os corticóides são contraindicados pois predispõe à infecção, retardam a cicatrização e potencializam a destruição enzimática do estroma da córnea. AINEs sistêmicos podem ser indicados para aliviar a dor nos primeiros dias de tratamento, mas é importante considerar que inibem a neovascularização necessária à cicatrização das úlceras estromais. 4. Prevenção do autotraumatismo – o colar elisabetano deve ser indicado para todos os pacientes com ceratite ulcerativa, pois o desconforto predispõe ao autotraumatismo, que por sua vez pode agravar as lesões, causar ruptura da córnea ou ser fonte de contaminação. 5. Inibidores da colagenase - A ação da colagenase, produzida pelas bactérias e células inflamatórias, pode causar malácia e consequente progressão das úlceras. O ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) 0,35%, a acetilcisteína 5 a 10%, a tetraciclina e o soro autólogo, são princípios utilizados com esta função. Devem ser incluídos nos protocolos terapêuticos de lesões estromais e/ou contaminadas. Não existem formulações comerciais oftalmológicas de EDTA ou acetilcisteína, sendo, portanto necessária a manipulação dos mesmos. O Soro autólogo deve ser separado e acondicionado de forma estéril podendo ser mantido sob refrigeração por até 7 dias. 6. Sulfato de condroitina - O Sulfato de condroitina é uma glicosaminoglicana presente na matriz extracelular dos tecidos, constituinte importante do estroma da córnea, contribui para sua estabilidade, rigidez e transparência. Suas ações terapêuticas, quando aplicado de forma tópica, incluem ação anti-inflamatória e imunomoduladora, além de atuar na estabilidade do filme lacrimal, melhorando assim a lubrificação da córnea e favorecendo a epitelização. Também pode atuar reduzindo a opacidade cicatricial. É encontrado em formulação à 20% isolado (Tears) ou associado à Ciprofloxacina (Ciprovet).

O tratamento cirúrgico pode ser indicado em casos em que a terapia clínica é ineficaz, e principalmente em ceratites ulcerativas profundas, com exposição da membrana de descemet e ainda nos casos de ceratomalácia, com rápida progressão da lesão. Em ambos os casos o risco de ruptura da córnea é iminente e o recobrimento cirúrgico para proteção mecânica da córnea é emergencial. As técnicas de recobrimento corneano são indicadas nestas condições para dar sustentação e proteção à córnea, além de propiciar a cicatrização da mesma. A escolha da técnica cirúrgica é baseada na causa e condição da lesão de córnea, além da preferência e afinidade do profissional com o método cirúrgico. As técnicas mais frequentemente usadas são os flaps conjuntivais: flap conjuntival em 360º, flap de terceira pálpebra, flap conjuntival pediculado e tarsorrafia temporária. Também podem ser citados implantes de membranas teciduais (membrana amniótica) ou adesivos teciduais (cianoacrilato).

Foto 1 – Ceratite ulcerativa superficial, corada pela fluoresceína, associada a entrópio da pálpebra inferior.

Foto 2 – Ceratite ulcerativa estromal profunda com exposição da Membrana de Descemet (Descemetocele).

As complicações podem estar associadas à não identificação e persistência da causa primária (entrópio, anomalias de cílios ou ceratoconjuntivite seca), que podem levar à cronificação das ulceras de córnea, com retardo da cicatrização e tendência ao agravamento e contaminação das mesmas. Lesões estromais profundas e/ou contaminadas, se não conduzidas de forma adequada e controladas a tempo, podem levar à ruptura da córnea, prolapso de íris, endoftalmite e até a indicação de enucleação em casos mais graves.

Protocolo Criado por

Andréa Barbosa

CRMV 7173-SP

1. Maggs, David J. Cornea and Sclera. In: Slatter’s Fundamentals of Veterinary Ophthalmology. 5º ed. St Louis Missouri: Elsevier Saunders, 2013. Capitulo 10.

2. Ledbetter, E. C. and Gilger, B.C. Diseases and Surgery of the Canine Cornea and Sclera. In: Veterinary Ophthalmology. 5º ed. Ames, Iowa: Wiley-Bacwell, 2013. Capítulo 18.

3. Galera, P.D.; Laus, J.L.; Oriá, A.P. Afecções da túnica fibrosa. In: Oftalmologia Clínica e Cirúrgica em cães e gatos.1º ed. Roca: São Paulo, 2009. P 69-96.

4. Ledbetter, E. C.; Munger, R.J.; Ring, R. D.; Scarlett, J.M. Efficay of the two condroitin sulfate ophthalmic solutions in therapy os spontaneous defects and ulcerative keratitis associated with bullous keratopathy in dogs. Veterinary Ophthalmology, 9(2), 2006, 77-87.

5. Wouk, A.F.P.F.; Zulian, I.; Muller, G.; Souza, A.L.G. Ação do sulfato de condroitina “A” associado à ciprofloxacina em úlceras de córnea em cavalos. Revista Acadêmica, Curitiba, v. 4 n.4, 2006. P 11 – 20./ Stiles, Jean. Feline Ophthalmology – Diseases of the córnea. In: Veterinary Ophthalmology. 5º ed. Ames, Iowa: Wiley-Bacwell, 2013. Capitulo 27.