Boletim Técnico - Controle da Dor Crônica em Pequenos Animais
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O aumento da expectativa de vida de cães e gatos tem levado ao aumento da incidência de doenças crônicas relacionadas à idade avançada, como neoplasias e osteoartrite. Tais doenças geralmente estão associadas ao quadro clínico de dor crônica que, além de persistir por um longo período de tempo, geralmente vem acompanhada por uma síndrome debilitante, trazendo impacto sobre a qualidade de vida e bem-estar dos animais (Hellyer, 2002).
Podendo ser causada por estímulos externos, a dor crônica também é manifestada após procedimentos cirúrgicos, acarretando em várias alterações fisiológicas que irão comprometer e retardar a recuperação do paciente.
Estados dolorosos prolongados são capazes de estimular de forma persistente os receptores aferentes nociceptivos, aumentando os efeitos deleté- rios da dor crônica. Esta dor persistente pode ser subdividida em dor nociceptiva; aquela resultante de uma ativação direta de nociceptores da pele e outros tecidos em resposta a uma lesão tecidual; ou dor neuropática; definida como uma dor que ocorre em áreas ou órgãos envolvidos em lesões ou doenças neurológicas (Klauman et. al., 2008).
No que se refere aos cuidados veterinários, é grande o empenho dos profissionais para melhorar as formas de reconhecimento e o tratamento dos quadros clínicos de dor nos animais. Embora várias escalas de dor já sejam utilizadas para mensurar a dor aguda em cães e gatos, ainda há dificuldades em como avaliar a dor crônica nos animais de companhia e assim administrar o tratamento adequado (Yazbek, 2005).
Além da consideração ética da supressão da dor, são comprovados os benefícios do uso dos analgésicos na redução do estresse emocional e da liberação de substâncias deletérias para o organismo, facilitando assim a recuperação e a melhora do quadro clínico dos pacientes diante das diversas patologias dolorosas de caráter crônico (Andrade, 2002).
A dor associada a neoplasias
O aumento da idade média dos animais de companhia em decorrência de avanços na prevenção de doenças infectocontagiosas e melhoria da alimentação têm levado a uma maior ocorrência de câncer, que é apontado por vários autores, como uma das principais causas de morbidade e mortalidade em animais com idade avançada (Antunes et. al., 2008). Estima-se que 1 entre 4 cães morrem de câncer, sendo que em muitos casos a dor associada ao câncer é sub diagnosticada, levando ao manejo e tratamento inadequados e a diminuição da qualidade de vida dos pacientes (Fan, 2014).
Para os clínicos, a busca pelo bem-estar dos pacientes oncológicos atinge uma importância ainda maior em animais que estão em fase terminal, acometidos por dores crônicas causadas por um envolvimento direto de estruturas sensíveis como tecidos moles, ossos, nervos e vísceras ou metástases ósseas (Lester; Gaynor, 2000). A dor somática refere-se à dor originada no sistema periférico (pele, músculos), e a dor visceral surge nas cavidades torácica e abdominal. Esses tipos de dor possuem diferentes características e requerem diferentes tipos de fármacos para serem tratadas. A dor também pode ser causada por processos relacionados com o tratamento e com o diagnóstico do câncer; como cirurgia, quimioterapia e radioterapia (Portenoy, 1999).
Em pacientes humanos com câncer a dor é considerada o principal sintoma relatado, sendo descrita como moderada em cerca de 30% a 60% dos casos e muito intensa em 17% a 40% dos pacientes. A duração do quadro doloroso está geralmente relacionada ao estágio da doença, podendo variar entre dias e anos, na maioria dos casos a dor é constante. (Pimenta et. al, 1998).
Nos animais, como demonstrado no estudo de Yazbek (2008), em um total de 70 cães com neoplasia, 83% dos pacientes apresentavam dor de intensidade moderada de acordo com a opinião dos proprietá- rios. Estima-se que a dor oncológica possa ser efetivamente tratada em 90% dos casos humanos e acredita-se que o mesmo pode ser alcançado na medicina veterinária.
Em muitos tipos de câncer há um aumento na frequência e na severidade da dor com a progressão da doença e essa é a maior preocupação dos donos dos animais domésticos. O objetivo do tratamento, nestes casos, passa a ser mais paliativo do que curativo, visando prolongar e melhorar a qualidade de vida dos animais.
O tratamento paliativo da dor pode ser conseguido diretamente através da administração de analgésicos; ou indiretamente, com a redução do tamanho do tumor com quimioterapia, terapia hormonal, radiação ou cirurgia.
Dentre os principais analgésicos estão os opióides, grupo antigo e potente de fármacos utilizados no controle da dor aguda e que apresentam uma alternativa viável no controle da dor crônica, como o cloridrato de tramadol, classificado como agonista opióide, que exerce excelente propriedade analgésica na dor aguda no pré, trans e pós-operatório além de atuar no tratamento da dor crônica em associação com outros fármacos, resultando em mínimos efeitos colaterais (Flôr, 2006).
Em estudo avaliando a segurança e eficá- cia do tramadol administrado em período superior a três semanas em 1355 pacientes com dor resultante de câncer e anormalidades do aparelho locomotor, associadas à dor de moderada à intensa, ocorreu melhora significativa em 82,5% dos indivíduos tratados (Teixeira et.al, 1999). Da mesma forma em estudo realizado por Osipova et. al. (1991) envolvendo 98 pacientes com câncer, sendo 11% dos pacientes classificados com dor moderada e 89% com dor intensa, foi relatado excelente alívio da dor após a administração do tramadol pela via oral.
Pode-se concluir que fármacos opióides, classificados como primeira opção de escolha na terapia da dor oncológica em humanos, também apresentam um papel importante no tratamento de animais com câncer, como por exemplo, o uso do ativo tramadol, que apresenta elevada eficácia analgésica, flexibilidade no ajuste de doses e compatibilidade de utilização associado com outros medicamentos (Looney, 2010).
Múltiplas modalidades de fármacos e técnicas podem ser necessárias para tratar a dor nos pacientes oncológicos e deverão ser ajustadas individualmente para cada animal, buscando aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida desses animais.
A dor associada a doenças crônicas degenerativas
Dentre as doenças crônicas degenerativas que acometem os animais idosos, a osteoartrite (OA) é uma delas e também está associada a quadros de dor crônica. Embora seja uma doença comum do envelhecimento de cães e gatos, é subdiagnosticada e pelo fato de não apresentar cura, o tratamento que é baseado no controle e redu- ção da dor, muitas vezes, é negligenciado.
A OA pode afetar qualquer articulação, incluindo quadris, cotovelos, joelhos; e embora as raças de grande porte estejam mais propensas a desenvolver esta patologia, a OA pode acometer cães e gatos de todas as raças e tamanhos, podendo resultar ou ser a causa principal da queda dos níveis de atividade dos animais a medida que eles envelhecem.
Outras alterações também podem ser notadas em cães com dor crônica secundária à doença articular degenerativa, como por exemplo; redução do apetite, da curiosidade, da sociabilidade; além do aumento da agressividade, comportamentos compulsivos e vocalização.
Para o adequado diagnóstico e a rápida intervenção em casos de OA, a avaliação clí- nica da dor deve ser incorporada na rotina das consultas. A avaliação do histórico do animal e a realização de exames radiográficos também são essenciais para auxiliar no diagnóstico e diferenciar outras causas de dor que possam estar associadas a idade avançada dos animais, como quadros de osteosarcoma, osteomielite ou outras injú- rias de tecidos moles para que assim seja instituído o tratamento adequado.
Embora a OA não possa ser totalmente curada, manter os animais livres de dor tem se tornado cada vez mais importante para os tutores e deve ser o primeiro passo na terapia proposta pelos veterinários, com o uso de analgésicos opióides e AINEs compondo os protocolos mais comumente utilizados (Rychel, 2010).
Sabe-se que a ocorrência de quadros de dor crônica é passível de acontecer também após intervenções cirúrgicas, assim como mostrado no estudo de Akkaya e Ozkan (2009), onde a incidência de dor crônica em pacientes humanos foi de 20-50% após o procedimento de mastectomia e de 6-10% após cesariana. Na medicina veterinária, a dor crônica pós-cirúrgica vem sendo negligenciada e deve ser tratada, pois é um importante fator que poderá interferir na recuperação e qualidade de vida do animal.
Uma analgesia de boa qualidade depende da administração correta de associações de fármacos em doses efetivas e por vias adequadas, resultando na chamada analgesia balanceada ou multimodal, resultando em ação sinérgica, o que proporciona controle satisfatório da dor crônica pós-cirúrgica (Ganem et al., 2003).
O tramadol é a alternativa mais viável por causa da sua eficiência no controle da dor de grau moderado e intenso, devido a possibilidade de associação com AINEs e pelo fato de causarem poucos efeitos adversos, podendo ser administrados por um longo período, sempre realizando o monitoramento do paciente (Papich, 1997).
Em cães e gatos, o tramadol é indicado na dose de 2 a 4 mg/kg, quando se deseja aliviar o desconforto e sofrimento associados à dor em várias condições patológicas e durante o período pós-operatório, com a duração do tratamento sendo ajustada a critério do médico-veterinário e de acordo com o quadro clínico do animal. Pelo fato de não serem relatados efeitos colaterais como dependência, constipação, depressão respiratória ou efeitos cardiovasculares, a administração do tramadol pode ser realizada em todas as situações de dores crônicas já relatadas.
Conclusão
O controle da dor, seja ela aguda ou crônica, é parte essencial de qualquer tratamento, e quando tratada incorretamente, pode produzir efeitos negativos em vários sistemas do organismo, levando ao sofrimento e reduzindo a qualidade de vida e o bem- -estar dos animais.
Assim, para que haja uma resposta satisfatória à terapia analgésica aplicada, é sempre importante realizar uma avaliação individualizada de cada caso, buscando informações sobre o histórico clínico do animal e o procedimento envolvido, não havendo, portanto, um protocolo padrão de tratamento (Mathews, 2000).
Uma formulação líquida oral de tramadol, que propicia a administração precisa da dose e com características que permitem comodidade e facilidade na administração, tanto para cães quanto para gatos, está disponível no mercado veterinário; promovendo uma adesão muito maior a protocolos de tratamento da dor crônica por parte dos proprietários e animais.
Pela necessidade de intervalos de administração mais curtos e tempo de tratamento prolongado para o controle da dor crônica nas patologias relatadas, medicamentos que oferecem maior aceitação pelos animais e uma administração simples, com mínimo manejo do animal devem ser valorizados na prescrição; pois garantem o sucesso do protocolo terapêutico e resultados clínicos mais satisfatórios.