Tratamentos com doxiciclina associada a suplementos vitamínicos minerais em cães e gatos
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Atualmente, sabemos que a doxiciclina é o antibió- tico do grupo das tetraciclinas que apresenta maiores vantagens quando comparada com outros antibióticos deste mesmo grupo. É de suma importância conhecermos suas características farmacodinâmicas, farmacocinéticas e suas superioridades, pois a doxiciclina ainda é o antibiótico de eleição para tratamentos de importantes doenças de cães e gatos. Doenças que, em sua maioria, provocam quadros de anemias, podendo levar estes animais a óbito. Assim, suplementações à base de ferro, cobre, cobalto, zinco, vitaminas do complexo B como a cianocobalamina (vitamina B12) e ácido fólico, são muito importantes na recuperação destes animais por auxiliarem na eritropoiese ou hematopoiese. Existem alguns “mitos” com relação a tratamentos de doxiciclina associada a estes suplementos, como se realmente é válida uma suplementação para recuperação de anemias ou se minerais como o ferro, por exemplo, prejudicam a absorção da doxiciclina, tornando tais tratamentos ineficazes. Neste boletim, fizemos uma revisão de conceitos que esclarecerão estas dúvidas levando em conta doenças comuns nesta época do ano (verão), tais como a Erliquiose Canina, Micoplasmose Felina e Leptospirose, que provocam anemias e são tratadas com doxiciclina, sendo muito interessante auxiliar o tratamento com os minerais acima citados.
Vantagens terapêuticas da doxiciclina comparada a outras tetraciclinas
Pertencente ao grupo das tetraciclinas, a doxiciclina foi descoberta em 1962, sendo um derivado semissintético com melhor característica farmacodinâmica e menor toxicidade. É um antibiótico bacteriostático por inibir a síntese proteica dos microrganismos sensíveis, tem um largo espectro de ação antimicrobiana atuando sobre bactérias Gram-positivas e Gram-negativas aeróbicas e anaeróbicas, clamídias, riquétsias (como Ehrlichia sp. e Wolbachia spp.), espiroquetas, micoplasma e alguns protozoários (Anaplasma spp. e Mycoplasma sp.). A doxiciclina, quando comparada a outras tetraciclinas, possui uma melhor absorção oral, em torno de 90 a 95% (veja Tabela 1), e distribuição mais ampla se comparada a outras tetraciclinas podendo penetrar em SNC, olho e próstata por ser mais lipossolúvel, além de ter relativamente menor afinidade ou interação com os minerais cálcio, ferro, magnésio, zinco e alumínio. Esta interação pode prejudicar a absorção das tetraciclinas por formar quelatos insolúveis com estes minerais.
Sendo assim, podem ser feitos tratamentos com doxiciclina de algumas doenças que provocam anemia e requerem a administração de um suplemento vitamínico mineral à base de ferro, porém, tendo como precaução a administração do suplemento 3 horas antes ou 2 horas depois do antibiótico.
A presença de alimentos ou produtos lácteos no estômago não prejudica a absorção da doxiciclina, ou do restante das tetraciclinas, pois a sua biodisponibilidade é praticamente a mesma após administração intravenosa e oral. Sua excreção é, em maior porcentagem, pela bile, não tendo como efeito adverso a nefrotoxicidade, porque as outras tetraciclinas são potencialmente nefrotóxicas.

Anemias na Erliquiose Monocítica Canina (EMC)
A Erlichia canis se multiplica nas células mononucleares, principalmente no sistema fagocitário mononuclear dos linfonodos, baço, medula óssea, assim explicando-se a ocorrência de organomegalias: esplenomegalia, hepatomegalia e linfoadenomegalia da fase aguda da doença. Epistaxes, hematúria, edema de membros também são observados nesta fase, provocados por uma trombocitopenia, pois inclusões destes microrganismos são encontradas nas plaquetas ocorrendo lise e destruição periférica destas células. Além disso, a trombocitopenia também pode ser decorrente da diminuição da meia-vida das plaquetas, redução da agregação plaquetária devido ao dano endotelial e anticorpos antiplaquetários. Ainda na fase aguda da doença, pode ocorrer anemia do tipo normocítica normocrômica regenerativa devido à perda de sangue por causa da trombocitopenia.
Outras possíveis causas da anemia na Erliquiose podem estar associadas à destruição das hemácias pelo sistema monocítico/macrofágico e/ou lise destas células por ação de complemento e uma reação de hipersensibilidade do tipo II ou ainda devido à supressão da eritropoiese em medúla óssea.
Sabe-se que ela se classifica em anemia moderada, severa e muito severa podendo ser: normocítica normocrômica, normocítica hipocrômica, microcítica hipocrômica, macrocítica normocrômica a macrocí- tica hipocrômica. Em estudo realizado na cidade de Uberlândia (MG) em 2005), de 109 cães com Erliquiose canina, 85 (77,98%) apresentaram anemia e 95 (87,15%) trombocitopenia. Verificou-se que 57 (67,05%) destes animais apresentaram anemia normocítica normocrômica, seguida pela normocítica hipocrômica em 18 (21,18 %) deles. Com relação à severidade da anemia, viram que 50,59% eram cães moderadamente anêmicos, 27,06% severamente anêmicos e 22,35% muito severamente anêmicos. Alguns destes animais avaliados, 4 (3,67%) ao todo apresentaram infecção concomitante com Babesia spp.
Na fase crônica da doença, pela cronicidade da anemia e/ou supressão da medula óssea, ocorre anemia normocítica normocrômica arregenerativa. Monocitose, linfocitose e leucopenia são achados marcantes nesta fase, sugerindo gravidade do quadro clínico.
Nas anemias regenerativas, os reticulócitos (eritró- citos jovens), que correspondem à última fase dos precursores das hemácias durante a eritropoiese e ainda sintetizam 20% da hemoglobina, aumentam significativamente na circulação periférica nos casos de anemias regenerativas dos carnívoros. Portanto, é importante solicitar hemograma com contagem de reticulócitos para verificar se é uma anemia regenerativa ou arregenerativa, sendo esta última sugestiva de um quadro de supressão medular, correspondendo a uma fase muito grave da doença.
Tratamento da EMC com doxiciclina e suplementos à base de ferro, cobre, cobalto, zinco e vitaminas do complexo B
A recuperação de animais com anemias provocadas pela Erlichia canis e tratados com a doxiciclina pode ser otimizada com a suplementação de produtos a base de ferro, cobre, cobalto, zinco e vitaminas do complexo B. O tratamento será definido de acordo com a severidade do quadro clínico e os resultados dos exames hematológicos. A doxiciclina, na dose de 10 mg por kg de peso vivo, a cada 24 horas, ou de 5 mg por kg, a cada 12 horas, por 28 dias no mínimo, ainda é o antibiótico de eleição para tratamento da Erliquiose Canina. O dipropionato de imidocarb na dose de 5 mg por kg de peso vivo em doses com intervalos de 15 dias cada uma também tem demonstrado eficácia, principalmente associado ao protocolo com doxiciclina. Transfusões de sangue podem ser necessárias em casos de hematócrito abaixo de 15%. O uso de glicocorticoides, como a prednisolona na dose de 1mg/kg, a cada 12 horas, para atenuar a destruição imunomediada das plaquetas associada com a infecção, também tem auxiliado na recupera- ção de animais com EMC.
Atualmente, existem no mercado suplementos à base de vitaminas do complexo B (vitamina B12 e ácido fólico) e dos minerais ferro, cobre, cobalto e zinco, que estão sendo utilizados como coadjuvantes nos tratamentos da Erliquiose Canina, visto que, conforme foi comentado, a ocorrência de anemias nesta doença é comum. Por isso estes elementos são extremamente importantes na eritropoiese em nível de medula óssea.
O ferro é um elemento essencial na síntese de hemoglobina das hemácias, pois é formada pela união de uma molécula de globina com quatro moléculas do grupo heme (constituído de íon ferro). Suas principais funções no organismo envolvem: transporte de oxigênio no sangue e nos músculos, transferência de elétrons no metabolismo da energia e proliferação celular. Além de auxiliar na absorção e mobilização do ferro, o cobre funciona como um catalisador ou coenzima na formação da hemoglobina. Faz parte da enzima ferroxidase (ceruloplasmina), que é necessária para a oxidação de ferro ferroso em férrico e a incorporação de ferro na hemoglobina, além de aumentar a absorção e o transporte do mesmo no organismo do animal. Sabe-se que a deficiência deste elemento diminui a vida e maturação das hemácias.
O cobalto é necessário para a síntese da cianocobalamina (vitamina B12) e formação da hemoglobina. A vitamina B12 contém um átomo de cobalto em cada molécula, tendo como função a maturação das hemácias. Além disso, assim como o ácido fólico ou folato, é importante para a síntese de DNA e RNA em todas as células do organismo, incluindo as hemá- cias.
O ácido fólico participa na formação do grupo heme (proteína que contém ferro e está presente na hemoglobina), sendo considerado uma vitamina antianemia. Outros elementos são importantes na Eritropoiese como, zinco, que tem função relacionada em sistemas enzimáticos envolvidos no metabolismo dos ácidos nucléicos, síntese de proteínas e metabolismo de carboidratos. A dose destes suplementos vitamínicos minerais deve ser administrada de acordo com a indicação do fabricante.
Cães anêmicos que são tratados com estes suplementos melhoram notoriamente havendo recuperação do quadro geral com mais rapidez, pois eles auxiliam na eritropoiese. Alguns animais podem estar concomitantemente infectados com a Babesia canis, hematozoário que provoca a destruição das hemá- cias havendo agravamento do quadro de anemia. Nestes casos, o imidocarb é o tratamento de eleição e a suplementação com estes minerais de extrema importância. Transfusões de sangue podem ser necessárias.
Micoplasmose Felina
A Micoplasmose Felina, anteriormente denominada Hemobartonelose Felina, é causada por uma rickétsia denominada Mycoplasma haemofelis, que invade os eritrócitos causando sua destruição e levando ao surgimento de anemia regenerativa, pois não causa dano à medula óssea. A transmissão é feita pela pulga ou carrapato onde o gato pode ser portador assintomático. A doença é caracterizada por esplenomegalia, febre, hematúria, mucosas hipocoradas pela anemia grave, epistaxes, emagrecimento, anorexia e petéquias, podendo ocorrer hemorragia gastrintestinal e icterícia. No hemograma, o M. haemofelis é observado nos eritrócitos como pequenos cocos que se coram de azul. Há diminuição na contagem de eritrócitos e aumento da contagem de reticulócitos caso não haja outra doença supressora de medula óssea associada, porque se sabe que o aparecimento desta doença em gatos está intimamente ligado com infecção concomitante do vírus da FeLV podendo suprimir a resposta imunitária destes animais. Em estudo realizado na Universidade de Brasília (DF) em 2008, encontrou-se uma maior proporção de anemia normocítica normocrômica provavelmente devido a uma coinfecção por retrovírus que pode estar ocasionando esta anemia arregenerativa. Sendo assim, os sinais clínicos podem se manifestar com facilidade em gatos contaminados com vírus e acometidos por doenças imunossupressoras. O tratamento é similar ao da Erliquiose Canina anteriormente citado: doxiciclina na dose de 5 mg/kg, a cada 12 horas, por um período de 14 a 21 dias, transfusões de sangue em casos mais graves e suplementos à base de minerais ferro, cobre, cobalto, zinco e vitaminas como cianocobalamina, ácido fólico e ácido ascórbico.
Leptospirose
A Leptospirose é causada por sorovares da Lepstospira interrogans, uma espiroqueta móvel e filamentosa que infecta a maioria dos animais silvestres e domésticos e o homem, sendo uma zoonose. Vários sorovares infectam os cães por meio de ambientes, fômites, alimentos ou água contaminados pela urina do Rattus norvegicus (rato de esgoto), principal transmissor da doença ou de outros cães já portadores da Lepstospira spp. Os sintomas incluem febre, lesão aguda e insuficiência renal, pois a Lepstospira interrogans replica-se no epitélio tubular renal (L.canicula), icterícia pela lesão dos hepatócitos e necrose hepática aguda (L. icterohaemorrhagiae), dor muscular, fraqueza, colapso circulatório, oligúria ou anú- ria (L. canicula) e sinais de insuficiência renal crônica chegando até a uma encefalopatia hepática com sintomas neurológicos. Pode ocorrer anemia consequente da insuficiência renal e/ou hemolítica com destruição intravascular de eritrócitos.
A doxiciclina tem sido atualmente indicada para tratamento da Leptospirose, na dose de 10 mg/kg, a cada 24 horas, ou 5 mg/kg, a cada 12 horas, por ser um dos melhores antibióticos utilizados na supressão da leptospirúria, que pode se prolongar por dois meses ou mais mesmo após o restabelecimento clínico do animal. Por provocar anemia, a utilização dos suplementos vitamínicos minerais acima citados pode auxiliar na recuperação do estado geral de animais tratados para Leptospirose.
Importância da utilização de suplementos com minerais quelatados no auxílio do tratamento de animais anêmicos
A forma química do mineral pode interferir a absor- ção do mesmo pelo organismo, além disso, sabe-se que microelementos fornecidos na forma inorgânica podem ter sua biodisponibilidade influenciada por outros nutrientes da dieta e a questão fisiológica do próprio animal.
Os minerais quelatados são definidos como minerais que estão quimicamente ligados a aminoácidos, formando uma estrutura em anéis heterocíclicos modificando as características físicas e químicas dos grupos coordenados, protegendo-os da influência de fatores externos, tornando-os resistentes a dissociação, ficando estáveis quimicamente, facilitando assim a sua absorção. Dessa forma, o mineral no estado de quelato, torna-se quimicamente inerte, não sofrendo influência de outros componentes das dietas, como as fibras e gorduras.
A maioria dos minerais, para serem absorvidos no trato gastrointestinal necessitam fazer ligação iônica com aminoácidos que se encontram no estômago e intestino. Quando este processo ocorre livre no organismo, vários fatores podem influenciar esta ligação e, consequentemente, a absorção destes elementos. Podemos citar como exemplo casos de diferentes minerais, como o zinco e cobalto que precisam estar ligados a um mesmo aminoácido, a metionina, para serem absorvidos. Os quelatos visam melhorar a absorção dos minerais pelo organismo, pois não necessitam formar complexo dentro do sistema gastrointestinal. Desta forma, quando ingeridos na forma quelatada são prontamente absorvidos, ocorrendo maior aproveitamento pelo animal, tendo assim maior biodisponibilidade.
Estudo apresentado no Simpósio Internacional da Waltham sobre Nutrição e Saúde Pet (realizado em Orlando, USA, em 1998) demonstrou que cadelas Beagles suplementadas dieteticamente com zinco, cobre e manganês quelatados conquistaram melhora no desempenho reprodutivo, obtendo maior nú- mero de filhotes por gestação.
A utilização de minerais que são quelatados em tratamentos com a doxiciclina é de suma importância, pois assim, a probabilidade de problemas com a absorção deste antibiótico é minimizada, lembrando que se deve manter um intervalo de no mínimo 2 a 3 horas entre a administração de um e outro, conforme citado anteriormente.