Boletim Técnico - Terapias de Suporte a Procedimentos Cirúrgicos
Introdução
Muitos são os procedimentos cirúrgicos realizados na rotina veterinária e, mesmo nos procedimentos mais simples, os cuidados nos pré e pós-operatórios são de extrema importância. O uso de medicamentos como antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos e cicatrizantes, de forma isolada ou combinada, faz-se necessário nestes períodos.
Profilaxia antimicrobiana de infecções cirúrgicas
Sabe-se que o uso de antibióticos na prevenção e tratamento das infecções cirúrgicas vem sendo indicado em diversos procedimentos cirúrgicos, tanto os que incluem cirurgias contaminadas quanto limpas-contaminadas, cirurgias em que a infecção pós-operatória possa comprometer a vida do animal, procedimentos limpos que envolvam a colocação de próteses, bem como em situações que envolvam animais imunocomprometidos.
A escolha do antibiótico para a profilaxia antimicrobiana deve levar em conta a eficácia contra o microrganismo com maior probabilidade de causar uma infecção pós-operatória.
Os patógenos frequentemente responsáveis por infecções pós-operatórias em pequenos animais são Staphylococcus spp. (especialmente aureus), E. coli, Pasteurella spp. (principalmente em gatos) e Bacteroides fragilis (anaeróbia).
Dentre os antimicrobianos indicados, o ativo Azitromicina, antibiótico pertencente ao grupo dos macrolídeos e derivado da eritromicina, é amplamente utilizado no tratamento de infecções em humanos e está disponível atualmente no mercado veterinário como alternativa de tratamento em processos infecciosos oriundos do pós-operatório, atuando principalmente nos sistemas genito-urinário, respiratório, oral e na pele, sendo indicado para a maioria dos quadros na dose de 10 mg/kg a cada 24 horas, com a administração do dobro da dose no primeiro dia de tratamento.
Seu mecanismo de ação é bactericida com atuação na inibição da síntese proteica do microorganismo, apresentando largo espectro de ação contra bactérias aeróbias e anaeróbias Gram-positivas e Gram-negativas, sendo considerado o antibiótico mais potente entre os macrolídeos em relação às Enterobactérias, como a E. coli, bactéria comumente encontrada nas infecções de feridas cirúrgicas.
A azitromicina apresenta ótima absorção oral, alta biodisponibilidade (97% em cães e 58% em gatos), meia-vida longa, elevada lipossolubilidade, além de ser amplamente distribuída na maioria dos tecidos.
É capaz de alcançar altas concentrações em fagócitos, o que facilita seu transporte aos locais de infecção durante a fagocitose. A metabolização é hepática e reduzida, não sobrecarregando o fígado do animal. A excreção se dá principalmente por fluido biliar e em menor escala pela urina.
Embora o uso de antibióticos seja importante na redução da infecção pós-operatória das feridas cirúrgicas, procedimentos como a adequada assepsia, a cuidadosa manipulação dos tecidos, a hemostasia meticulosa, bem como o uso criterioso dos materiais de sutura, não devem ser negligenciados.
Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) em procedimentos cirúrgicos
Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) constituem uma das classes farmacológicas utilizadas na analgesia multimodal no período pré e pós operatório, sendo um grupo heterogêneo de compostos que, apesar de compartilhar do mesmo mecanismo de ação, tem fórmula estrutural e propriedades químicas bem diferentes, resultando em ação analgésica, anti-inflamatória e antipirética.
Um dos ativos do grupo dos AINEs mais utilizados na clínica de animais de companhia é o ativo meloxicam, que por meio do bloqueio preferencial da enzima COX-2 apresenta atividade anti-inflamatória, analgésica e anti-exsudativa com mínimos efeitos gastrolesivos e ulcerogênicos, sendo considerado um dos AINEs mais seguros atualmente e o primeiro anti-inflamatório aprovado pelo FDA para uso em felinos.
A dose recomendada para cães é de 0,2mg/kg no primeiro dia de tratamento seguido de 0,1mg/ kg nos demais dias de tratamento, com a duração do tratamento sendo estipulada pelo médico veterinário.
Para gatos, a dose recomendada é de 0,1 mg/kg não devendo ultrapassar 4 dias de tratamento.
Analgesia no pré e pós-operatório
Sabe-se que quadros de dor crônica ocorrem de forma frequente após intervenções cirúrgicas, assim como mostrado no estudo de Akkaya e Ozkan (2009), onde a incidência de dor crônica em pacientes humanos foi de 20-50% após o procedimento de mastectomia e de 6-10% após cesariana.
Na medicina veterinária, a dor crônica pós-cirúrgica vem sendo negligenciada e deve ser tratada, pois é um importante fator que poderá acarretar em várias alterações fisiológicas comprometendo e retardando a recuperação do paciente.
Associações de fármacos analgésicos e anti-inflamatórios em doses efetivas e por vias adequadas, resultando na chamada analgesia balanceada ou multimodal, vem sendo destacada como a melhor opção terapeutica para o controle da dor devido a ação sinérgica de ativos, proporcionando o controle satisfatório da dor crônica pós-cirúrgica (GANEM et al., 2003).
Outra técnica muito utilizada é a analgesia preemptiva, que se refere à utilização de agentes analgésicos, como fármacos opióides, antes do paciente ser exposto ao estímulo nocivo.
Essa estratégia tem o objetivo de inibir o processo de sensibilização periférica e central, reduzindo a dor pós-operatória e promovendo um período mais rápido de recuperação do paciente. Além disso, visa diminuir o consumo de analgésicos durante o pós-operatório e, por consequência, evitar seus efeitos adversos (FANTONI e MASTROCINQUE, 2004).
Dentre os principais fármacos opióides utilizados no controle da dor em medicina veterinária podemos citar o cloridrato de tramadol, classificado como agonista opióide que apresenta excelente propriedade analgésica.
O efeito antinociceptivo do tramadol se dá por meio de um duplo mecanismo de ação (opióide e não opióide) que engloba sua atuação em receptores opióides µ e k, onde exerce fraco efeito agonista, complementado por sua ação em receptores de monoaminas pelo bloqueio na recaptação da norepinefrina (NE) e da serotonina (5-HT) (VAZZANA et al, 2015).
Devido a essa atividade mista, a utilização do ativo tramadol é desprovida de efeitos colaterais como dependência, constipação, depressão respiratória ou efeitos cardiovasculares, ao contrário de outros opióides agonistas (GÓRNIAK, 2011; STEAGALL E LUNA, 2012).
O tramadol é destacado por sua eficiência no controle da dor de grau moderado e intenso e é muito utilizado em procedimentos cirurgicos devido à possibilidade de associação com AINEs e pelo fato de causarem poucos efeitos adversos. Sua segurança permite também o uso por longos períodos, sempre realizando o monitoramento do paciente (PAPICH, 1997).
Em cães e gatos, o tramadol é indicado na dose de 2 a 4 mg/kg quando se deseja aliviar o desconforto e sofrimento associados à dor em várias condições patológicas e durante o período pós-operatório, com a duração do tratamento sendo ajustada a critério do médico-veterinário e de acordo com o quadro clínico do animal.
Pelo fato de não serem relatados efeitos colaterais como dependência, constipação, depressão respiratória ou efeitos cardiovasculares, a administração do tramadol pode ser realizada no uso crônico (Vide boletim Controle Dor Crônica).
Cicatrização em procedimentos cirúrgicos
A cicatrização é um processo fisiológico e normalmente não requer qualquer intervenção. Apesar disso as feridas podem causar desconforto, além de serem propensas à infecção e outras complicações.
Em procedimentos cirúrgicos a cicatrização pode se tornar um processo desafiador. Como exemplo podemos citar as cirurgias que envolvem cicatrização por retalhos cutâneos ou ainda as que envolvem grandes áreas de sutura e cicatrização por segunda intenção.
Estes procedimentos requerem cuidados intensos por um período de até 30 dias e tratamentos com produtos específicos com a finalidade de auxiliar o processo cicatricial. Muitos procedimentos e agentes têm sido testados de forma a estimular ou acelerar a cicatrização de feridas, principalmente devido tanto à variabilidade destas quanto a características individuais dos pacientes (KARAYANNOPOULOU et al., 2011).
Dentre os agentes, podemos citar a ketanserina e o asiaticosídeo, ativos genuinamente cicatrizantes que apresentam atuações distintas e benefícios complementares no processo de cicatrização.
A ketanserina é um antagonista dos receptores de serotonina 5-HT2 que aumenta a microvascularização e proporciona uma resposta inflamatória mais efetiva na fase inicial da cicatrização, ampliando a ativação de macrófagos para um controle maior da ferida.
Já o asiaticosídeo é um composto isolado da Centella asiatica, que age principalmente nos fibroblastos nas fases de proliferação e remodelamento, estimulando a síntese de colágeno tipo I e equilibrando a maturação da rede de fibras de colágeno, promovendo uma cicatrização mais rápida e com maior suporte às forças de tensão.
Tais ativos são indicados para cães e gatos, podendo ser aplicados na área a ser cicatrizada três vezes ao dia, ou a critério do médico veterinário até a completa cicatrização da ferida.
Conclusão
Procedimentos cirúrgicos envolvem cuidados com os pacientes que devem ser iniciados antes do procedimento e devem ser finalizados somente com a recuperação completa do animal.
Estes cuidados envolvem medidas para garantir a saúde do paciente, reduzir riscos associados ao procedimento cirúrgico e, especialmente, para garantir o bem-estar e uma recuperação mais pronta dos animais.
Os cuidados englobam a prevenção de contaminação e infecções, prevenção e controle da dor e cicatrização de feridas e, sendo assim, o uso de antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos e cicatrizante fazem parte do protocolo de suporte aos procedimentos cirúrgicos.