Boletim Técnico - Complexo respiratório infeccioso canino – “Tosse dos canis”

Empresa

Ourofino

Data de Publicação

06/04/2018

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Introdução

Complexo respiratório infeccioso canino, também denominado de traqueobronquite infecciosa canina, ou popularmente conhecida como “tosse dos canis”, é uma das doenças mais comuns em cães que afeta frequentemente o trato respiratório superior dos animais (Ford, 2006; Mochizuki et al., 2008; Ellis et al., 2011).

Apresenta distribuição mundial, sendo considerada uma doença altamente contagiosa, de caráter sazonal, ocorrendo com maior frequência nos meses mais frios.

Acomete principalmente animais que coabitam ambientes de alta densidade populacional como canis, abrigos, hotéis, hospitais veterinários e instituições de pesquisa (Fernandes & Coutinho, 2004; Xavier, 2012; Ayodhya et al., 2013).

Além do clima frio e a elevada densidade populacional de animais em um mesmo local, a presença de doenças concomitantes e/ou queda na imunidade dos indivíduos, também são considerados como fatores predisponentes aos surtos dessa patologia (Byun et al., 2009; Priestnall et al., 2010).

Vários agentes infecciosos, que atuam isoladamente ou em conjunto, estão envolvidos na etiopatogenia do complexo respiratório infeccioso canino, tais como os vírus Adenovírus canino tipo 2, Vírus da influenza canina, Vírus da parainfluenza canina, Herpesvírus canino tipo 1 e Coronavírus canino; além das bactérias Bordetella bronchiseptica, Streptococcus equi zooepidemicus e Mycoplasma cynos (Bauman, 1999; Buonavoglia & Martella, 2007; Nelson e Couto, 2015).

Infecções mistas envolvendo mais de um dos microrganismos citados são frequentes, sendo a bactéria Bordetella bronchiseptica e o vírus da parainfluenza canina descritos como os agentes etiológicos mais comuns nesta patologia.

A bactéria Bordetella bronchiseptica (B. bronchiseptica), reconhecida como um dos principais agentes etiológicos da traqueobronquite infecciosa canina, é classificada como uma bactéria cocobacilar de pequenas dimensões, gram negativa, anaeróbica e pertencente à família Brucellaceae e ao gênero Bordetella (Ting et al., 2011).

Sua transmissão ocorre principalmente por aerossóis de secreções oro-nasais dos animais infectados ou diretamente por meio de fômites (vasilhas, mãos dos criadores e tratadores, entre outros) (Ford, 2006). Em casos onde cães e gatos vivem em grande proximidade, há a possibilidade que a transmissão ocorra de uma espécie para outra.

Sabe-se que apesar de raras, infecções por B. bronchiseptica também já foram documentadas em humanos, sendo reportadas em crianças, indivíduos imunossuprimidos ou com alguma doença crônica após contato muito próximo com animais infectados (Felizardo, 2010).

A B. bronchiseptica apresenta variados mecanismos intrínsecos para ultrapassar as defesas do hospedeiro, como a presença das fímbrias, hemaglutininas e adesinas; que são responsáveis pela adesão da bactéria à superfície ciliar levando a estase ciliar no trato respiratório superior.

A cilioestase, em combinação com a liberação de exo e endotoxinas pelas bactérias, irão danificar o epitélio e causar lesões endoteliais, predispondo o paciente ao agravamento da doença respiratória por agentes oportunistas. (Priestnall et al., 2010).

A replicação da B. bronchiseptica ocorre nos primeiros 3 a 6 dias se estabilizando após este período e é nesse momento que começam a surgir os primeiros sinais clínicos que, no curso normal da infecção, desaparecem em aproximadamente 15 dias (Anderton et al., 2004).

No entanto, em animais não tratados ou debilitados e em casos onde houver uma infecção viral associada, esta bactéria poderá persistir no organismo por até 3 meses, levando ao agravamento do quadro clínico e aumentando o risco de mortalidade dos indivíduos (Ting et al., 2011; Anderton et al., 2004; Ford, 2006).

Diagnóstico

Sendo classificada como uma doença auto limitante, na maioria dos casos clínicos não há uma preocupação em se realizar o diagnóstico definitivo, mas sim em avaliar a gravidade desta doença e descobrir se há a existência de infecções secundárias.

Assim, para os casos não complicados dessa patologia o diagnóstico baseia-se principalmente nos sintomas apresentados pelos animais através da realização de uma adequada anamnese e de um exame físico detalhado.

A realização de um diagnóstico diferencial, porém, pode se tornar necessária a fim de apresentar precocemente alguma doença mais grave, além de excluir condições patológicas semelhantes, como colapso de traqueia, bronquiectasia, corpo estranho nas vias aéreas, bronquite crônica, pneumonia, edema pulmonar e neoplasia broncopulmonar (Fernandes & Coutinho, 2004; Thompson, 2007).

Para o diagnóstico diferencial podem ser incluídos exames complementares como: hemograma, raio-x, cultura, análise de fluido de lavado traqueal, sorologia ou PCR. Exames como “swabs” nasais e culturas, realizados para o isolamento dos agentes etiológicos, permitem somente um diagnóstico presuntivo já que muitos cães assintomáticos albergam microrganismos como Bordetella e Micoplasma no trato respiratório.

A identificação de tais agentes irá possibilitar uma melhor orientação do tratamento e um prognóstico mais assertivo, além de ser útil para o manejo de surtos da doença (Ford, 2004).

Aspectos Clínicos

A maioria dos cães com traqueobronquite infecciosa apresenta a doença “sem complicações”, autolimitante e sem sinais de doença sistêmica, cujo principal sinal clínico é a tosse paroxística, rouca, seca ou moderadamente produtiva; que é frequentemente exacerbada pelo exercício físico, excitação, pressão da coleira no pescoço do animal ou pela palpação da traqueia (Coelho et al., 2014; Nelson e Couto, 2015).

Em casos de infecções mistas, a presença de outros sinais clínicos como corrimento nasal e ocular, vômito e; com menos frequência; anorexia, depressão, linfadenopatia dos linfonodos mandibulares, dispneia e febre, podem ser encontrados; bem como o aparecimento de quadros de pneumonia ou broncopneumonia, que poderão levar o animal a óbito caso não seja rapidamente tratado.

Uma combinação de fatores como idade, estado imunológico do indivíduo, tipo e número de microrganismos envolvidos e, ainda, a existência de doenças concomitantes podem contribuir para o agravamento dos sintomas da doença (Fernandes & Coutinho, 2004; Ford, 2006).

Os sinais clínicos da infecção ocorrem de 2 a 14 dias após a exposição com a duração aproximada de 10 dias, caso não houver complicação do quadro por outros agentes. Mesmo ao final da infecção os animais infectados continuarão transmitindo a bactéria por 6 a 14 semanas, podendo contaminar outros animais susceptíveis durante este período.

Tratamento

Nos casos menos complicados da traqueobronquite infecciosa a resolução se dá de forma auto limitante entre 4 dias e 3 semanas. No entanto, buscando a diminuição do desconforto e a melhora da qualidade de vida do animal, a realização de uma terapia de suporte; incluindo o uso de antibióticos, corticosteróides, mucolíticos, broncodilatadores ou antitussígenos é indicada para a redução na severidade dos sinais clínicos (Ford, 2004; Ford, 2006).

Para a terapia antibiótica, as tetraciclinas estão entre os antibióticos mais efetivos contra a Bordetella, tanto pela susceptibilidade da bactéria a este grupo de antibióticos quanto pela alta concentração do fármaco que é alcançada no trato respiratório (Bemis, 1992).

Dentre as tetraciclinas, a doxiciclina é o antibiótico de eleição, sendo preconizada na dose de 5-10 mg/kg de peso a cada 12 ou 24 horas, respectivamente, por até 5 dias após o término dos sinais clínicos ou por pelo menos 14 dias (Nelson e Couto, 2015).

A doxiciclina é um antibiótico bacteriostático da família das oxitetraciclinas e embora sua estrutura química seja pouco diferente das outras tetraciclinas, apresenta consideráveis diferenças na solubilidade em lipídios e no grau de ligação com proteínas plasmáticas (Barza, 1975; Schach, 1963).

Devido a maior solubilidade em lipídios, a doxiciclina apresenta alta absorção após a administração oral, além de uma boa distribuição para vários tecidos corporais, sendo encontrada em altas concentrações em tecidos e fluidos teciduais de pulmões e em secreção bronquial, refletindo em uma maior efetividade antimicrobiana, especialmente contra as infecções respiratórias (Barza, 1975; Schach, 1968).

A susceptibilidade da Bordetella bronchiseptica à doxiciclina foi avaliada em estudo com 78 amostras isoladas de cães oriundas de 13 diferentes fontes. Os resultados mostraram que 100% dos isolados foram sensíveis à doxiciclina (Speakman, 2000).

Outra excelente vantagem da doxiciclina é o fato dela não formar depósito significativo na presença de cálcio, o que permite sua utilização também em filhotes em detrimento ao uso de outras tetraciclinas e também de antibióticos do grupo das fluorquinolonas, que apresentam comprometimento em formação cartilaginosa de animais em fase de crescimento (Greene, 1993).

O uso de corticosteróides, como por exemplo a prednisolona na dose de 0,25 a 0,5 mg/ kg a cada 12 hora, tem demonstrado ser altamente eficiente na melhora da tosse e na redução do volume de secreções respiratórias produzidas quando utilizada em casos não complicados da doença (Ford, 2006).

Deve-se, porém, evitar o uso de corticosteroides por períodos prolongados em animais imunossuprimidos e/ou apresentando a doença na sua forma severa ou complicada, já que o uso excessivo desse ativo poderá interferir de forma negativa no sistema imunitário do animal (Keil, 2000).

Medidas de controle e prevenção

Um dos maiores desafios para o controle da traqueobronquite infecciosa canina é o manejo de surtos da doença. Nestes casos, uma das principais medidas de controle visando reduzir a disseminação da infecção, além de programas de vacinação, é minimizando a exposição dos animais aos agentes virais e bacterianos.

Para isso o saneamento adequado; principalmente em criadouros, deverá ser realizado, onde se recomenda que cães sejam mantidos isolados de filhotes e outros animais recém-chegados ao ambiente por pelo menos 15 dias e que permaneçam em área limpa e arejada.

Trocas de ar adequadas e controle de umidade são necessários nesses locais. Uma área de isolamento também é essencial para abrigar cães com sintomas clínicos da doença.

Outro fator importante é que os responsáveis pela manutenção dos animais devem ser instruídos para realizarem a desinfecção de gaiolas, comedouros e outras possíveis fontes de infecção, sendo usualmente recomendado o uso de produtos específicos, como soluções à base de Clorexidina, Hipoclorito de sódio e Cloreto de benzalcônio (Hawkins, 1998; Fernandes & Coutinho, 2004) realizando, preferencialmente, o rodízio entre esses ativos.

Para os casos em que o isolamento de animais entrantes na colônia não seja possível ou em casos de descoberta tardia da doença, recomenda-se o tratamento profilático de todos os animais com doxiciclina por um período de 10 dias (Brandão, 2008).

A manutenção de uma boa nutrição, com suplementação de vitaminas e minerais, vermifugação com formulações de amplo espectro e redução de situações de estresse são fatores que também irão contribuir para a prevenção de possível infecção e/ou para a melhora na capacidade de resposta do organismo frente à infecção já diagnosticada.