Boletim Técnico - Dermatite alérgica à picada de ectoparasitas (DAPE)

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Ourofino

Data de Publicação

24/05/2018

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Os atendimentos dermatológicos em pequenos animais apresentam grande prevalência, sendo esta a razão mais comum para que sejam levados ao médico-veterinário (Scott, Miller e Griffin, 2001; Hiil et al., 2006).

Os quadros dermatológicos alérgicos representam grande número destes atendimentos, onde a dermatite atópica, a hipersensibilidade alimentar e a dermatite alérgica à picada de ectoparasitas (DAPE) são considerados os distúrbios alérgicos cutâneos mais comuns em cães e a principal causa de dermatite miliar em gatos (Dryden, 2009).

A DAPE é caracterizada por uma reação de hipersensibilidade a proteínas presentes na saliva de pulgas e carrapatos que, quando eliminadas durante a picada dos ectoparasitas, desencadeiam a reação alérgica em animais hipersensíveis (Demanuelle, 2004).

Representando 50% das dermatoses alérgicas e muitas vezes associada com outras enfermidades como a dermatite atópica, a DAPE tem aspecto frequentemente sazonal, no entanto, em climas subtropical e tropical; como no Brasil, há relatos de prevalência dessa patologia durante o ano todo (Von Ruedorffer et al, 2003); (Scott, Miller e Griffin, 2001), sendo notada a diminuição da frequência e severidade da doença em regiões em que há a utilização de produtos específicos para o controle dos ectoparasitas (Ihrke, 2010).

Patogenia

A DAPE é caracterizada por uma resposta imunológica exacerbada aos componentes presentes na saliva da pulga e do carrapato.

Entre as pulgas, a espécie Ctenocephalides felis, encontrada em 92% das infestações caninas e 99% das felinas e é a principal espécie causadora das alergias.

Entre os carrapatos o Rhipicephalus sanguineus, espécie com mais frequência nas infestações, desencadeia processos alérgicos após sua picada (Sousa, 2010; Charman et al., 1987).

Durante a realização do repasto sanguíneo (alimentação) os ectoparasitas injetam na pele do animal quantidades de saliva compostas por várias substâncias, inclusive anticoagulantes, vasodilatadores, antiplaquetárias e imunomoduladores, que irão atuar garantindo o sucesso do hematofagismo (Silva, 2009).

Dentre essas substâncias há aproximadamente 15 componentes altamente alergênicos, que atuam como antígenos na pele de cães e gatos estimulando o sistema imunológico dos animais que são alérgicos e desencadeando, assim, as reações de hipersensibilidade e os sintomas clínicos encontrados na DAPE.

Somente os animais predispostos imunologicamente reagem ao entrar em contato com a saliva dos ectoparasitas, uma vez que podemos observar animais intensamente parasitados sem sintomas alérgicos e casos em que uma única picada é capaz de desencadear a resposta.

As reações de hipersensibilidade podem ser classificadas em tipo I (imediata), onde os antígenos salivares estimulam a produção de IgE induzindo severa inflamação na pele, prurido e dor; e em tipo IV (tardia) que explica porque muitos animais desenvolvem o quadro alérgico mais tardiamente.

As substâncias alergênicas da saliva englobam polipeptídeos, aminoácidos, compostos aromáticos, materiais responsáveis pela liberação de histamina, além de enzimas proteolíticas e anticoagulantes sendo todas implicadas no processo de irritação imediata na pele dos animais.

Simultaneamente, outras substâncias alérgicas de baixo peso molecular (haptenos) se ligam a proteínas da pele do hospedeiro e, após subsequente exposição, geram uma reação de hipersensibilidade tardia, resposta característica dada pelos animais com DAPE (Modelli, 2012; Fonseca, 2000).

Sinais Clínicos

Não há um padrão de lesão típico da DAPE que permita a diferenciação entre as outras dermatites alérgicas. Os sinais clínicos manifestados são variados, dependendo do grau de alergia que o animal tem, porém a evolução das lesões costuma ser rápida.

Em animais sensíveis à picada de pulgas e carrapatos, ainda em meio a pequenas infestações, a manifestação clínica será mais grave em comparação aos animais não alérgicos; que mesmo altamente infestados apresentam lesões menos severas (Modelli, 2012).

O prurido intenso é o sintoma primário, sendo também observado em cães lesões por mordeduras ao redor do ânus e na base da cauda, se estendendo para a região das costas, nas coxas, abdômen e pescoço.

As lesões são avermelhadas, seguidas por um prurido crônico, alopecia, crostas hemorrágicas e enegrecimento da pele. Sinais cutâneos generalizados podem aparecer em animais severamente hipersensíveis.

Gatos podem manifestar a alergia com sinais de alopecia e coceira, sendo frequente o aparecimento de crostas e protuberâncias ao redor do pescoço e no dorso.

Os sintomas também podem ser apresentados por meio do complexo granuloma eosinofílico, que são lesões que afetam a pele e a cavidade bucal dos felinos, sendo encontrado na forma de úlcera, placas e por meio de granuloma (Guaguere e Prelaud, 2001; Talaukas, 2009).

Em casos crônicos, em que há evolução das lesões em decorrência dos traumatismos pelo ato de coçar, essas novas lesões promovem a queda da barreira de proteção da pele, o que pode levar a um agravamento do quadro desencadeando infecções secundárias que devem ser tratadas independentemente da doença de base.

Diagnóstico

O diagnóstico da DAPE deve ser baseado na história clínica do animal associado aos achados clínicos característicos, onde a morfologia e a distribuição das lesões podem ser bem sugestivas.

A presença de ectoparasitas ou de seus dejetos também pode ser um fator importante, porém nem sempre é fidedigno, pois em pelo menos 15% dos casos de DAPE não há sinal de infestação nos animais.

Já a melhora clínica, após o controle dos ectoparasitas com o uso de produtos específicos durante 4 a 6 semanas, vem sendo a melhor forma de diagnóstico.

Para os casos em que durante esse período não houver resposta à terapia, deve-se pensar que não se trata de DAPE e novas investigações devem ser conduzidas (Modelli, 2012; Scott, Miller e Griffin, 2010).

É importante que seja realizado o diagnóstico diferencial de doenças com sinais clínicos semelhantes, tais como quadros de dermatite atópica e hipersensibilidade alimentar, onde a DAPE é o primeiro diagnóstico que deve ser excluído.

Mesmo que não seja a causa exclusiva do processo alérgico, a presença de pulgas e carrapatos pode piorar a intensidade do quadro clínico, portanto, a erradicação de ectoparasitas é imprescindível em qualquer animal alérgico ou que apresente dermatopatia pruriginosa.

Algumas dermatopatias secundárias, como piodermite ou malasseziose, também podem ocorrer associadas à DAPE, por isso a citologia é um exame de extrema importância para pesquisa e quantificação de bactérias e leveduras (Favrot et. al., 2010) que, estando presentes na microbiota cutânea, exigem o tratamento específico com antibióticos e/ou antifungícos tópicos e orais.

Tratamento

O tratamento da DAPE consiste em eliminar a exposição ao alérgeno.

O controle efetivo da infestação das pulgas e carrapatos no animal e no ambiente, associado ao tratamento sintomático do paciente com medicamentos que visem a diminuição da reação de hipersensibilidade e o controle do prurido levam a consequente melhora clínica do animal.

Quando diagnosticada uma dermatopatia por infecção secundária à DAPE, a mesma também deverá ser tratada com o uso de antibióticos adequados.

A eliminação das pulgas e carrapatos terá grande importância no tratamento da DAPE e, para eficiência desta eliminação, medidas físicas e/ou químicas devem ser incorporadas no próprio animal, nos coabitantes e no ambiente (Sousa, 2005).

Deste modo, o controle da DAPE deve incluir o tratamento etiológico e sintomático do animal afetado e dos demais animais contactantes, assim como a descontaminação do ambiente (interno e/ou externo) frequentado pelo hospedeiro, objetivando prevenir novas infestações.

O tratamento do ambiente visando o controle de carrapatos poderá ser realizado por meio de pulverizações com produtos específicos para este fim em três a quatro aplicações, com intervalos de 14 dias, sendo reaplicados com base no período de eficácia preconizado, sempre aspergindo a substância nas paredes, muros, tetos e principalmente nas áreas de descanso do animal.

No caso das pulgas, as medidas de controle se dão por meio da limpeza de matéria orgânica (ex. uso do aspirador de pó ou lavar o ambiente) além da utilização de produtos químicos (ex. carbamatos, organosfosforados) (Labruna e Pereira, 2001; Pereira e Santos, 1998).

Para atuar nos estágios adultos dos ectoparasitas encontrados sobre o animal, que correspondem a apenas 5% da população, é recomendada a aplicação de produtos químicos que apresentam efeito adulticida (Pereira e Santos, 1998), sendo os de aplicação tópica e efeito não sistêmico os mais conhecidos e utilizados durante as últimas décadas.

Seus modos de ação e índices de segurança, mesmo com aplicações periódicas durante muitos anos, são bastante caracterizados.

O Fipronil destaca-se como um marco no tratamento de pulgas e carrapatos em cães e gatos. É uma molécula sintética com propriedades inseticidas e acaricidas (contra carrapatos, pulgas, sarnas e piolhos) pertencente à família dos fenilpirazóis.

Seu mecanismo de ação baseia-se no bloqueio pré e pós-sináptico da passagem dos íons cloro pelos neurotransmissores GABA (ácido gama-aminobutírico), matando os parasitos por hiperexcitação (Tanner et al., 1997).

Sua ação ocorre por contato, não sendo necessário que os parasitos piquem o animal para morrer, uma importante consideração para os animais com DAPE.

Devido ao comportamento lipofílico da molécula que se armazena dentro das glândulas sebáceas, apresenta excelente efeito residual após banhos com xampu ou apenas água, garantindo seu efeito de longa duração.

Os pelos dos animais tratados com Fipronil, ao caírem no ambiente, também exercem significativo controle sobre as formas imaturas dos ectoparasitas, auxiliando no controle da infestação ambiental (Hunter et. al., 1996).

O uso dos produtos adulticidas nos animais, especialmente os que apresentam DAPE, deve ser instituído com protocolo terapêutico de três aplicações consecutivas com frequência e sequência e períodos de intervalo a serem adaptados frente ao nível de infestação e frequência de banhos, visando uma maior eficácia das moléculas durante todo o intervalo entre os tratamentos.

Outra opção para auxiliar no controle de pulgas e carrapatos em cães, é a utilização de coleira ectoparasiticida a base de Deltametrina 4% e Propoxur 12%.

A molécula de deltametrina, que faz parte do grupo dos piretróides, irá atuar sobre a membrana de células nervosas, principalmente nos gânglios basais do sistema nervoso central onde se ligam aos receptores do GABA, sistema responsável pela inibição da atividade neural anormal e previne o estímulo excessivo dos nervos.

Quando a função desse sistema regulador é bloqueada pela Deltametrina, a transmissão dos impulsos nervosos fica prejudicada, causando a despolarização espontânea das membranas ou descargas repetitivas durante a fase de recuperação do potencial de ação dos neurônios, levando ao quadro de hiperexcitabilidade dos neurônios, seguido de paralisia e morte dos ectoparasitas.

Já o ativo Propoxur, pertencente ao grupo dos carbamatos, irá atuar sobre o sistema nervoso dos ectoparasitas inibindo a enzima acetilcolinesterase que é responsável por hidrolisar a acetilcolina, molécula envolvida na transmissão de sinais nervosos entre as junções neuromusculares e entre os neurônios no cérebro (nas sinapses cerebrais colinérgicas).

Devido à inibição da acetilcolinesterase, não há o encerramento das transmissões dos sinais nervosos, resultando assim em hiperexcitabilidade dos neurônios, paralisia e consequente morte das pulgas e/ou carrapatos.

De acordo com estudos de eficácia realizados em cães, o produto demonstrou ser eficaz no controle de pulgas por até 38 semanas e no controle de carrapatos por até 24 semanas após o início do tratamento, com uma eficácia superior a 90%.

O uso do produto poderá ser contínuo, por um período médio de 6 a 9 meses, com indicação de troca de no mínimo a cada 6 meses, ficando a critério do médico veterinário o intervalo de troca, que será variável de acordo com fatores inerentes a cada infestação, como condições climáticas, nível de infestação, realização concomitante de tratamento ambiental, entre outros.

Além da remoção da causa primária da DAPE, com métodos de controle da infestação por ectoparasitas, muitas vezes torna-se necessário instituir tratamentos sistêmicos a fim de controlar a sintomatologia clínica dos animais, como o prurido intenso e infecções bacterianas secundárias.

Com o objetivo de eliminar o intenso prurido, a administração de corticoide ou corticosteroide, vem sendo a droga mais utilizada na Medicina Veterinária, que em doses farmacológicas irá resultar numa rápida imunossupressão e diminuição da inflamação (Nuttal, 2008).

As moléculas de curta ação e com menor efeito mineralocorticoide, como a prednisolona, devem ser utilizadas por via oral em doses decrescentes.

O tratamento pode ser iniciado com doses de 0,5 a 1,0 mg/ Kg/dia até que os sintomas estejam controlados (geralmente de 10 a 20 dias), depois a mesma dose deve ser reduzida em administrações a cada 48 horas.

Posteriormente o clínico deverá, a cada 15 dias, aumentar o intervalo de administrações até que obtenha o maior intervalo possível (LUCAS, 2004).

Quadros de infecções secundárias, como as piodermites, são frequentemente encontrados em animais com DAPE.

Alterações na permeabilidade da pele provenientes do processo alérgico e em decorrência aos pequenos traumas e escoriações causados pelo prurido intenso reduzem suas defesas inatas e a torna mais susceptível à colonização bacteriana.

Nestas condições, o exame citológico definirá a importância dessas proliferações bacterianas, sendo; em casos de piodermites, os microorganismos mais frequentemente envolvidos o S. intermedius, Pseudomonas ssp., Proteus ssp., E.coli e o S. aureus (ROSSER, 2004).

Para o tratamento das possíveis infecções secundárias à DAPE a Cefalexina, pertencente à primeira geração das Cefalosporinas, é o antibiótico de primeira escolha por apresentar elevada eficácia, principalmente devido ao excelente efeito antiestafilocócico, além de ser seguro resultando em baixos efeitos colaterais ainda em tratamentos prolongados.

A dose sugerida é de 15-30 mg/kg, por via oral, a cada 12 horas, ao longo de três a oito semanas ou de acordo com o protocolo adotado pelo médico-veterinário, com o intuito de eliminar a infecção e colonização da pele (Mason and Kietzmann, 1999).

Conclusão

A DAPE é uma doença de caráter alérgico bastante comum na clínica de cães e gatos, sendo caracterizada por uma exacerbada resposta imunológica dos animais hipersensíveis aos componentes presentes na saliva dos ectoparasitas, tanto pulgas como carrapatos.

Seu diagnóstico é baseado em uma adequada anamnese, exame clínico e resposta ao tratamento (diagnóstico terapêutico), sendo importante a realização de diagnóstico diferencial para outras dermatopatias alérgicas.

A eliminação das pulgas e carrapatos terá grande importância no tratamento da DAPE, através da preconização do tratamento do ambiente bem como o uso de produtos ectoparasiticidas específicos nos animais, como por exemplo, produto à base de Fipronil.

Tratamentos sistêmicos a fim de controlar a sintomatologia clínica dos animais com DAPE muitas vezes são necessários e realizados por meio da administração de prednisolona, ativo da classe dos corticoides, visando o controle do prurido intenso e com o uso da Cefalexina como o antibiótico de primeira escolha nos casos em que infecções bacterianas secundárias estejam associadas.

É essencial ser criterioso na escolha do tratamento, tanto para o animal, quanto para o ambiente.

A importância da profilaxia da DAPE, também deve ser enfatizada uma vez que o sucesso da prevenção e do controle da doença depende de uma ação em conjunto entre médico-veterinário e proprietário, se atentando ao fato que animais e ambiente devem ser tratados juntos, e nem sempre a erradicação completa dos ectoparasitas será possível.

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