Impacto da obesidade no desenvolvimento da osteoartrite

Empresa

Hill's

Data de Publicação

28/09/2018

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A osteoartrite (OA) é uma doença articular que se desenvolve como resultado do reparo insuficiente ou excessivo da articulação sinovial lesada. Uma das principais formas de tratar e melhorar a qualidade de vida de animais com artropatias é alcançar o escore de condição corporal (ECC) ideal, ou seja, a perda de peso nos casos de sobrepeso e obesidade.

Um importante estudo que acompanhou labradores ao longo da vida mostrou que manter os cães com alimentação controlada ao longo da vida repercute na manutenção do ECC mais próximo ao ideal e isso diminui a incidência e/ou gravidade da OA (em quadril, cotovelo, joelho e ombro) e atrasa a necessidade de tratamento.

A relação patogênica direta entre a obesidade e a OA ainda não é totalmente elucidada. Acredita-se que dois possíveis mecanismos estejam envolvidos. O primeiro está relacionado ao aumento da sobrecarga sobre as articulações que já possuam alguma predisposição a OA, o que induziria ou aceleraria a progressão da doença.

Já o segundo mecanismo envolve o fato de os adipócitos e as células imunes residentes no tecido adiposo produzirem e secretarem moléculas com funções endócrinas e inflamatórias.

Neste contexto, a primeira molécula a ser discutida é a leptina. Este é um hormônio peptídico, produzido pelos adipócitos, que atua sob a saciedade, metabolismo energético, e processos imunes e inflamatórios. Sua relação com a OA é baseada no fato da maior expressão de leptina e do seu receptor no líquido sinovial de articulações com OA.

Na articulação, a leptina parece estimular a produção de fatores de crescimento – induzem a proliferação de condrócitos e anabolismo articular com predisposição a formação de osteófitos – e de substâncias que também causam catabolismo e inflamação articular como interleucinas e metaloproteinases.

O papel da leptina no desenvolvimento da OA parece mais importante do que a sobrecarga articular de peso, uma vez que camundongos que não produzem leptina ou receptores para leptina se tornam obesos, mas sem OA.

Apesar de o mecanismo ser pouco elucidado, a adiponectina também parece influenciar na patogenia da OA. Esta é produzida principalmente pelo tecido adiposo, inclusive pelos adipócitos da gordura intrapatelar e fibroblastos sinoviais.

Além de produção, foi demonstrado que as células articulares possuem receptores funcionais para adiponectina e esta atua nos fibroblastos e condrócitos de articulações com OA, induzindo a produção de metaloproteinases e óxido nítrico, que atuam na degradação de matriz extracelular, apoptose de condrócitos e degeneração da cartilagem.

Especifcamente em cães, a associação entre estas moléculas e a OA não foi estudada, mas sabe-se que a obesidade causa estado de hiperleptinemia e modificações no metabolismo da adiponectina.

Tanto a leptina, como a adiponectina induzem a produção de citocinas próinflamatórias, que também são produzidas pelos adipócitos e pelas células imunológicas presentes no tecido adiposo de cães obesos, de modo que a perda de peso reduz a concentração plasmática destas substâncias, que sabidamente intensificam a resposta inflamatória e podem ter participação na patogenia da OA.

A osteoartrite é uma doença grave e importante causa de eutanásia em cães. Apesar do que se acreditava, não só a sobrecarga de peso, mas também as alterações metabólicas causadas pela obesidade podem predispor a OA ou mesmo piorar sua evolução, o que reforça a tese de que é fundamental manter os cães sob adequada condição corporal.

Protocolo para estabelecer o programa de perda de peso em cães

Avaliação do Paciente

A avaliação do paciente é essencial para identificar fatores ambientais que podem impactar no manejo alimentar e no plano de exercício.

Obter histórico alimentar completo é primordial, com coleta de informações referentes ao alimento atual, suplementos, petiscos, número de refeições, utilização de medicamentos administrados com alimento, uma vez que, por meio da anamnese nutricional, é possível constatar a ingestão calórica do paciente, o que serve de ponto de partida para o programa de perda de peso.

Além disso, a verificação do peso corporal (PC), escore de condição corporal (ECC) (fi gura 1) e o escore de massa muscular (EMM) (figura 2) fazem parte da avaliação e determinação do peso ideal.

Em adição ao exame físico, exames laboratoriais e de imagem são relevantes para detectar comorbidades que podem afetar a ingestão calórica ou que necessitam de manejo adicional como, por exemplo, doenças ortopédicas e endócrinas.

Delineamento do Programa de Perda de Peso

Após avaliação inicial, um plano de perda de peso individualizado pode ser formulado. O plano deve seguir os seguintes pontos:

  • Determinação do peso ideal 

A escala de ECC pode ser utilizada para determinação do peso meta (PM) do paciente e é válida para animais com gordura corporal (GC) menor que 50%. A partir do ECC, é possível estimar a porcentagem de GC apresentada pelo animal (tabela 1) e, assim, calcular a massa magra corporal (MMC) e definir o peso ideal, de acordo com a fórmula a seguir.

TABELA 1: Descrição da porcentagem de gordura corporal com base no escore de condição corporal (ECC) referente à condição de sobrepeso e obesidade.

  • Cálculo da ingestão calórica diária

A ingestão energética pode ser calculada por 2 maneiras:

a) Fornecer 80% da ingestão calórica atual

Essa abordagem pode ser eficiente em pacientes que estão com sobrepeso e com peso estável. Porém, se o paciente estiver ganhando peso constantemente, maior redução pode ser necessária.

b) Calcular a necessidade energética em repouso (NER) usando o peso ideal do paciente

Reavaliar o paciente ao longo do programa com relação ao ECC permite melhor definição do peso ideal para o mesmo.

Seleção Do Alimento E Manejo Alimentar

O alimento deve ser selecionado de acordo com a restrição calórica desejada e o grau de obesidade. Uma vez escolhido, a quantidade de alimento diária deve ser determinada de acordo com a energia metabolizável do alimento por grama e a ingestão calórica diária:

Preferencialmente, a quantidade de alimento deve ser pesada, pois mensurar quantidades em copos ou latas por dia pode ser impreciso, principalmente para cães de pequeno porte. Deve-se oferecer a quantidade de alimento total diária dividido em, no mínimo, 03 refeições.

Plano De Atividade

Estudos em humanos mostram que a combinação da restrição energética com exercícios fornecem melhores chances de sucesso para perda de peso. Além disso, a atividade física promove a preservação da massa muscular e aumento do gasto calórico.

Uma vez que o paciente seja apto para ser submetido a um programa de exercícios, o plano deve ser baseado em descrever o tipo de atividade, intensidade e grau de resistência. Não há um tipo de exercício ideal descrito.

Uma abordagem inicial aceita são caminhadas de 5 minutos de duração, 3 vezes por semana, com aumento gradativo até atingir 30 a 45 minutos de caminhada ou o limite do animal. Para animais com mobilidade limitada, é apropriado considerar exercícios de baixo impacto e fisioterapia.

Acompanhamento

Reavaliações quinzenais são fundamentais para identificar erros no manejo e ajustar a ingestão alimentar de acordo com a perda de peso, ECC e EMM do animal. Cães devem perder de 1% a 2% do PC25 por semana.

Em todo o processo o tutor é parte essencial para o sucesso do tratamento e complacência do mesmo, interação e habilidade de seguir as recomendações são primordiais. Por isso, engajá-lo no processo e identificar os desafios enfrentados anteriormente são importantes fatores. Registro fotográfico do paciente é um dos modos de monitoramento e demonstração da evolução do animal e apresentar soluções de forma clara perante obstáculos permite assiduidade no tratamento (figura 3).

FIGURA 3: Possíveis soluções disponíveis para tutores perante adversidades rotineiras.

FONTE: 2014 AAHA guidelineweight management for dogs and cats.

Escore de Condição Corporal em Escala de 9 Pontos

Abaixo do ideal

  • 1. Costelas, vértebras lombares, ossos pélvicos e todas as saliências ósseas visíveis à distância. Não há gordura corporal discernível. Perda evidente de massa muscular.
  • 2. Costelas, vértebras lombares e ossos pélvicos facilmente visíveis. Não há gordura palpável. Pouca evidência de outras saliências ósseas. Perda mínima da massa muscular.
  • 3. Costelas facilmente palpáveis e podem estar visíveis sem gordura palpável. Parte superior das vértebras lombares visível. Ossos pélvicos começam a ficar proeminentes. Cintura e reentrância abdominal evidentes.

Ideal

  • 4. Costelas facilmente palpáveis, com cobertura adiposa mínima. Cintura notada com facilidade, vista de cima. Reentrância abdominal evidente.
  • 5. Costelas palpáveis sem excesso de cobertura adiposa. Cintura observada depois das costelas quando vista de cima. Abdômen retraído quando visto de lado.

Acima do ideal

  • 6. Costelas palpáveis com leve excesso de cobertura adiposa. Cintura discernível quando vista de cima, mas não proeminente. Reentrância abdominal aparente.
  • 7. Costelas palpáveis com dificuldade; densa cobertura adiposa. Depósitos de gordura perceptíveis ao longo da região lombar e base da cauda. Cintura ausente ou pouco visível. Reentrância abdominal pode estar presente.
  • 8. Costelas não palpáveis que se encontram sob densa camada adiposa ou palpáveis apenas com pressão significativa. Densos depósitos de gordura sobre a região lombar e base da cauda. Cintura ausente. Sem reentrância abdominal. Distensão abdominal óbvia pode estar presente.
  • 9. Maciços depósitos de gordura sobre o tórax, espinha e base da cauda. Cintura e reentrância abdominal ausentes. Depósitos de gordura no pescoço e membros. Distensão abdominal óbvia.

FIGURA 1: Escore de condição corporal em escala de 9 pontos.

FONTE: WSAVA - http://www.wsava.org/nutrition-toolkit

Escore de Massa Muscular (emm)

FIGURA 2: Escore de massa muscular (EMM). Avaliação da massa muscular inclui o exame visual e palpação sobre o osso temporal, escápula, costelas, vértebras lombares e ossos pélvicos.

FONTE: WSAVA - http://www.wsava.org/nutrition-toolkit

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