DRC: o que há de novo no tratamento dos felinos

Empresa

Hill's

Data de Publicação

19/03/2019

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O termo Doença Renal Crônica (DRC) se refere ao comprometimento morfofuncional progressivo e irreversível dos rins. Nos felinos, independentemente de sua etiologia, caracteriza-se por uma nefrite tubulointersticial, e tem conotação etária, sendo mais prevalente em animais em fase senil e geriátrica.

A insuficiência consequente ao processo só é observada tardiamente, com uma perda superior a 75% dos néfrons. Portanto, o diagnóstico é tardio pois, na maioria dos casos, é realizado nessa fase, momento em que se observa a elevação nas concentrações séricas de ureia e creatinina.

A IRIS (International Renal Interest Society) recomenda o estadiamento dos pacientes com DRC desde as primeiras alterações morfológicas detectáveis ao exame ultrassonográfico em gatos não azotêmicos até a falência renal propriamente dita, em seu estágio terminal.

Entretanto, como a creatinina é um marcador de filtração glomerular muito tardio, esforços têm sido realizados para a utilização de um biomarcador mais precoce, que permita a antecipação do diagnóstico, a fim de possibilitar o emprego de medidas protetivas sobre os néfrons, que desacelerem a progressão da DRC (renoproteção).

Assim, desponta a SDMA (Dimetil Arginina Simétrica), um novo biomarcador cujas concentrações séricas aumentam, em média, quando a filtração glomerular reduz em 40% e que, diferentemente da creatinina, não sofre influência da massa magra dos indivíduos, sendo mais sensível em pacientes com perda da massa muscular.

Dessa forma, o estadiamento do gato com DRC se baseia nas concentrações séricas de creatinina (do paciente estável e hidratado, em jejum), sendo corrigido pelas concentrações de SDMA (Quadro 1).

Uma vez estadiados, os pacientes são subestadiados em relação à pressão arterial sistólica (PAS) e à proteinúria. A pressão arterial deve ser aferida em gatos aclimatados para evitar a “síndrome do jaleco branco”, de forma repetida, em momentos diferentes, com o auxílio de um doppler vascular (método mais confiável!). A proteinúria é quantificada pela RPC (Razão entre Proteína e Creatinina Urinárias), apenas na ausência de sedimento ativo na urina (hemácias, leucócitos, bactérias...).

O diagnóstico precoce da DRC, em seus estágios iniciais (I e II), permite-nos a aplicação de tratamentos renoprotetores, a fim de evitar ou adiar o comprometimento adicional de néfrons. Para tanto, a manutenção da hidratação e o controle da pressão arterial e da proteinúria são mandatórios.

A hidratação deve ser garantida frente à ingestão de água dos gatos, por meio de maior oferta, vasilhas que agradem os bichanos ou ainda técnicas de “encantamento” tais como cubos de gelo (água e caldos) e alimentos úmidos.

A pressão arterial elevada pode desencadear repercussões em órgãos alvo como retina, coração, cérebro e os próprios rins, sendo muitas vezes responsável pela própria proteinúria. Os felinos respondem melhor ao tratamento com anlodipino, um bloqueador de canais de cálcio. Contudo, o fármaco não é muito eficaz para o controle da proteinúria.

Animais com proteinúria persistente ou muito intensa nos estágios mais precoces requerem tratamento antiproteinúrico, que pode ser realizado com inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), como o Benazepril. Como essa categoria de medicamentos pode não promover um controle ideal da PA dos gatos, alternativamente recomenda-se a Telmisartana, um bloqueador do receptor 1 da Angiotensina II (BRAT-1) capaz de tratar a hipertensão e a proteinúria concomitantemente.

Investigações recentes concluiram que gatos com DRC tendem à proteinúria tubular pela incapacidade do epitélio em reabsorver as proteínas de baixo peso molecular normalmente filtradas pelos glomérulos. Esses pacientes não respondem aos fármacos. Para o controle desse tipo de proteinúria, a dieta com restrição proteica parece ser o método mais adequado.

A detecção laboratorial da albuminúria é ideal para essa tomada de decisão (fármacos x dieta), no entanto, ainda não faz parte da nossa prática clínica. De qualquer forma, a proteinúria deve ser controlada por ser considerada um dos principais fatores relacionados à mortalidade dos gatos com DRC.

A avaliação e controle das concentrações circulantes de fósforo são essenciais. A sua retenção no nefropata crônico determina um aumento nas concentrações de FGF-23 e paratormônio (PTH), responsáveis pelo desencadeamento de uma constelação de síndromes, atualmente denominadas como desordens ou distúrbios osteominerais, como remodelamento ósseo, gastropatias (calcificação e fibrose gástrica), calcificação metastática (artérias e néfrons) e fibrose renal adicional.

O controle da fosfatemia é protetivo para os néfrons, bem como a hiperfosfatemia é considerada um importante fator preditivo de mortalidade. O tratamento é baseado na prescrição de quelantes de fósforo como o hidróxido de alumínio e/ou a restrição proteica na dieta. O tratamento com calcitriol para os felinos é controverso.

Gatos nefropatas crônicos tendem à hipopotassemia devido à perda urinária, principalmente em indivíduos hipertensos em decorrência à ação da aldosterona. Baixas concentrações de potássio podem causar fraqueza muscular (ventroflexão cervical), gastroparesia e constipação. A suplementação pode ser realizada pela dieta, sob a forma de medicamentos (gluconato ou citrato de potássio) ou parenteral (nos estágios mais avançados da DRC).

A sarcopenia tem ganhado os nossos olhares, pois o consumo de massa magra por esses pacientes é muito intenso e atualmente também considerada um fator de mortalidade. A correção do estado hipercatabólico desses animais e a manutenção de um escore corporal próximo do ideal é um dos grandes alvos do tratamento da DRC nesse momento.

Para tanto, garantir a oferta de uma dieta de qualidade, bem assimilada por esses pacientes, assim como assegurar a ingestão de quantidades desejáveis de alimento mediante o controle da uremia e da náusea são obrigatórios. A administração de orexígenos como a Mirtazapina é considerada uma excelente escolha terapêutica, principalmente porque pode ser administrada sob a forma de gel transdérmico, nas dose de 4-5 mg/gato a cada 72 horas.

A anemia do doente renal crônico é conhecidamente multifatorial e pode ser decorrente de má nutrição, diminuição da meia vida das hemácias (devido ao ambiente urêmico a às altas concentrações de paratormônio), inibição da eritropoiese devido à inflamação crônica ou deficiência de eritropoietina. Uma pesquisa realizada com muitos gatos anêmicos com DRC demonstrou que raramente apresentam deficiência de eritropoietina ou ferro. Portanto, a sua administração deve ser adiada até que não se obtenha resposta medular frente à correção da nutrição, controle da uremia e da hiperfosfatemia.

Figura 2: Ilustração da escala numérica de condição corporal em felinos. 

Fonte: http://www.wsava.org/Guidelines/Global-Nutrition-Guidelines

Apesar de controvérsias recentes, modificações dietéticas ainda são consideradas como um dos pontos chave na desaceleração da progressão da DRC (controle da inflamação crônica e fibrose) e na atenuação de suas consequências metabólicas. Por meio da dieta procuramos manter uma boa condição corporal dos pacientes, minimizar as manifestações clínicas da uremia, corrigir os distúrbios eletrolíticos e a acidose metabólica, além de controlar a proteinúria e proteger o tecido remanescente da ação de radicais livres.

O tratamento nefroprotetor aumenta a longevidade dos gatos com DRC, adiando a sua progressão para os estágios mais avançados. O tratamento das condições associadas tem pouco reflexo na sobrevida dos pacientes revelados nos estágios III e IV, apesar de melhorar a qualidade de vida desses gatos. A associação de medidas preventivas e terapêuticas é, portanto, ainda a única maneira de aumentar a quantidade de dias com qualidade de vida do gato com DRC.

Resumo da Ópera

  • Realize exames preventivos nos gatos (a partir dos 8 anos de idade)
  • Estadie
  • Subestadie
  • Controle a Pressão Arterial, a Proteinúria, a Fosfatemia e a Nutrição
  • Trate com carinho o seu paciente

Maria Alessandra Martins del Barrio

Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade de São Paulo. Mestrado em Clínica Veterinária pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais, particularmente com a espécie felina.

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