Tratamento de complicação cirúrgica: insuficiência de ligamento cruzado cranial associada à luxação patelar medial em paciente endocrinopata
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Introdução
Os ligamentos cruzados craniais são estruturas importantes na manutenção da estabilidade do joelho. Sua principal função biomecânica é impedir a projeção da tíbia cranialmente em relação ao fêmur, além de sua rotação interna excessiva, evitando a hiperextensão da articulação.
A insuficiência ou ruptura do ligamento cruzado cranial (LCCr) é uma das afecções ortopédicas mais comuns na rotina de pequenos animais e é a principal causa de doença articular degenerativa.
A instabilidade causada pela ruptura do LCCr normalmente cursa com o desenvolvimento de doença articular degenerativa (DAD) e, muitas vezes, com lesão de menisco medial.
O diagnóstico é clínico, iniciando com o histórico de claudicação aguda em membro posterior, principalmente durante exercícios (IAMAGUTI; TEIXEIRA; PADOVANI, 1998). Para confirmação diagnóstica são realizados o teste de gaveta cranial e de compressão tibial. O exame radiográfico por sua vez, deve ser usado como exame complementar para avaliação e planejamento cirúrgico.
O tratamento é cirúrgico, e a escolha da técnica ocorre de acordo com o peso, raça, idade e tipo de lesão. Existem inúmeras técnicas cirúrgicas que são capazes de restabelecer a estabilidade da articulação que são classificadas em intracapsulares, extracapsulares e osteotomias corretivas.
Relato De Caso
Paciente poodle, 7 anos, 10,7 kg, deu entrada em uma clínica veterinária em Ribeirão Preto, São Paulo, com histórico de claudicação e impotência funcional de membros pélvicos, de início agudo após trauma de baixa energia (quando desceu do colo da tutora, de dentro de um carro), já com cerca de 30 dias de evolução e histórico de intervenção cirúrgica prévia em outro serviço. O paciente foi operado em virtude de RLCCr bilateral e, após o procedimento cirúrgico, nunca apresentou apoio dos membros.


Figura A: imagem médiolateral (a) e craniocaudal (b) do mempro pélvico direito pós primeiro procedimento cirúrgico. Observar deslocamento cranial da eminência intercondilar da tíbia direita em relação aos côndilos femorais correspondentes indicando ruptura do ligamento cruzado cranial direito.


Figura B: imagem médiolateral (a) e craniocaudal (b) do mempro pélvico esquerdo pós primeiro procedimento cirúrgico. Observar desvio medial da patela esquerda indicando luxação patelar.
À avaliação, no joelho direito, observava-se crepitação intensa, teste de gaveta positivo, assim como teste de compressão tibial positivo. Intensa instabilidade à rotação da tíbia e estalido sugestivo de lesão meniscal durante a tentativa de flexão e extensão. Intensa efusão articular palpável. Era possível palpar estrutura circular rígida lateralmente à tíbia proximal. A patela apresentava-se permanentemente luxada medialmente.
No joelho esquerdo, observava-se intensa crepitação, teste de gaveta positivo (em menor intensidade se comparado ao membro direito), assim como teste de compressão tibial positivo. Observava-se também instabilidade patelar medial.
Devido ao histórico de ruptura simultânea dos ligamentos cruzados craniais, associada à obesidade e abdome abaulado e achados de anamnese, suspeitou-se de endocrinopatia associada ao quadro, a qual foi confirmada após avaliação clinica e laboratorial conduzida por endocrinologista.
Simultaneamente ao início da terapêutica para controle da endocrinopatia com trilostane (16 mg por VO, BID), foi recomendada a reintervenção cirúrgica para correção de ruptura de ligamento cruzado cranial e luxação patelar direitos, não ficando recomendada a reintervenção bilateral no mesmo ato. Dentre as técnicas extracapsular e TPLO, indicadas neste caso, por opção da tutora, procedeu-se o planejamento para a técnica extracapsular associada à transposição de crista tibial e trocleoplastia, além da avaliação dos meniscos e correção de possíveis lesões.
Durante a abordagem cirúrgica, observou-se presença de fio transparente de grande calibre, formando um grande nó na porção lateral da tíbia proximal (estrutura palpável ao exame físico prévio), além de grande quantidade de tecido fibroso periarticular. À artrotomia, observou-se que já havia sido realizada a trocleoplastia para tentativa de correção da luxação patelar. Havia exposição de osso subcondral em todo o trajeto da troclea femoral. Durante inspeção, notou-se avulsão completa do polo caudal do menisco lateral, assim como fratura longitudinal em menisco medial (Figura D).


Figura D: (A) Imagem de transcirúrgico, após artrotomia. Observar grande quantidade de tecido neoformado periarticular, além de fratura longitudinal em menisco medial (seta amarela) (B) Polo caudal de menisco lateral, após sua ressecção cirúrgica devido a avulsão completa.
Após meniscectomia parcial bilateral dos segmentos meniscais lesados, procedeu-se a lavagem e ressecção de aderências e fibroses intraarticulares. Luxação patelar medial foi corrigida com transposição da crista da tíbia através de osteotomia da mesma e refixação no centro do eixo do membro, alinhada à troclea femoral e ao centro do tarso. Devido à indisponibilidade da fabela lateral para finalidade de fixação da sutura extracapsular, foi aplicado como implante uma âncora em titânio (sistema 4,0) no côndilo lateral do fêmur, imediatamente cranial à inserção da fabela lateral. (Figura E).


Figura E: Imagens radiográficas pós-operatórias imediatas, nas projeções (A) crânio-caudal e (B) mediolateral. Em (B), observe o realinhamento dos côndilos femorais com relação ao platô da tíbia.
Após a alta hospitalar, recebeu a prescrição de cefalexina (30mg/kg BID por 10 dias), carprofeno (2,2mg/kg BID por 10 dias), tramadol (4mg/kg TID por 14 dias) e dipirona (25mg/kg TID por 14 dias), além do regenerador osteoarticular Osteocart Plus®, na dose de um comprimido ao dia, por uso contínuo.
O paciente apresentou intenção de apoio com a bandagem imediatamente após a alta hospitalar. Foi estimulado a apoiar e caminhar, porém sem correr ou saltar. Foi mantido em acompanhamento clínico e radiográfico periódico.
Na data da alta ortopédica, paciente apresentava excelente deambulação apesar da instabilidade do joelho contralateral, que ainda necessita de reintervenção. Não fazia uso de nenhuma classe de analgésicos e se mantinha apenas com o tratamento para o hiperadrenocorticismo (já havendo perdido 1,7kg de peso corporal e com melhora acentuada nos sinais clínicos da doença), além do regenerador osteoarticular Osteocart Plus® continuamente. Exame radiográfico de controle de 45 dias havia confirmado completa consolidação da crista tibial e manutenção da patela no sulco troclear .
Diante da magnitude das lesões presentes na articulação do paciente deste relato, além das comorbidades referentes à obesidade e à frouxidão ligamentar, o tratamento foi satisfatório para retorno às funções motoras do mesmo. Enfatizamos a importância do diagnóstico e controle do principal fator predisponente neste caso (endocrinopatia), além do controle de danos referentes ao arcabouço cartilaginoso da articulação, especialmente em função da lesão meniscal importante, que foi conferido com uso de regenerador osteoarticular. A reabilitação também foi indispensável para restabelecimento e melhora na condição geral do paciente durante sua recuperação.
Sobre os autores e colaboradores
M.V. Esp. MsC. Nathália Santana

- Graduada em Medicina Veterinária pela UFMG
- Especialização em Ortopedia e Traumatologia pela USP
- Certificação Master AOVET (Associação Internacional de Ortopedia)
- Mestrado em Cirurgia pela Escola de Veterinária da UFMG
- Formação em Neurofisiologia Clinica – FLENI (Buenos Aires/AR – em andamento)
- Fundadora e diretora clínica da Clínica Veterinária VetFocus – Ribeirão Preto/SP
M.V. Esp. Gabriel Müller

- Graduado em Medicina Veterinária
- Especialização em Endocrinologia e Metabologia de Pequenos Animais (ANCLIVEPA-SP)
- Atua nas áreas de endocrinologia e metabologia veterinária em Ribeirão Preto - SP
Camila Crepaldi Ferranti

- Aprimoranda em Clínica Cirúrgica pelo Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP, São José do Rio Preto, São Paulo
Larissa Barbosa de Araújo

- Graduanda no curso de Medicina Veterinária pelo Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP, São José do Rio Preto, São Paulo
Referências Bibliográficas
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