Comuns Consequências e Sequelas da infecção Herpética em Gatos
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- Alexandre G. T. Daniel, MV, Msc., DipABVP (Feline)
- Gattos – Clínica Especializada em Medicina Felina
Introdução
As doenças infecciosas do trato respiratório anterior são comuns em gatos, principalmente naqueles que vivem em gatil ou são provenientes de colônias/criatórios. São consideradas as principais causas de doenças em gatis, sendo o herpesvírus e o calicivírus, os principais agentes virais envolvidos (cerca de 80% dos casos).
Herpesvírus felino
O herpesvírus felino tipo 1 (FHV-1) é um DNA vírus (fi ta dupla) envelopado, pertencente à sub-família Alphaherpesvirinae, e causa uma infecção aguda com tropismo por tecido termolábil (com temperaturas próximas a 37°C), principalmente o epitélio nasal, traqueal e córnea. Durante a infecção aguda, o vírus atinge os neurônios do gânglio trigeminal, podendo fi car em latência neste sítio. O mecanismo de latência não envolve replicação viral no gânglio.
Aproximadamente 90 a 95% dos animais que sofreram infecção herpética tornam-se carreadores do vírus por toda a vida, exercendo um papel fundamental na perpetuação da infecção por meio do mecanismo de reativação viral. Quase 50% dos portadores sofrerão reativação viral, voltando a eliminar o vírus (com ou sem manifestações clínicas), sendo que essa reativação pode ser induzida por estresse, prenhez/ lactação, mudança de hábitos/rotina, introdução de um novo gato ou uso de corticóides.
Após a infecção primária, o vírus é eliminado por secreções nasais, orofaríngeas e oculares por um período de uma a duas semanas. Pelo fato de ser um vírus envelopado, este não sobrevive por muito tempo no ambiente, sendo necessário o contato direto com um animal infectado ou via aerossol, para a perpetuação do ciclo viral (fato que explica a grande prevalência em ambientes superpopulosos). A contaminação por meio de fômites é menos comum.
A maioria dos animais primo-infectados é jovem, com o vírus rapidamente se replicando em células epiteliais das conchas nasais, traqueia e conjuntiva, e posterior migração para o gânglio trigeminal. A infecção aguda gera lise epitelial, com necrose local e exsudação, propiciando a ocorrência de infecção bacteriana secundária.
As principais manifestações clínicas são: febre, anorexia, prostração, espirros, secreção nasal (figura 1) (no início mucoide e posteriormente evoluindo para purulenta), quemose (figura 2), blefaroespasmo, secreção ocular, tosse e, menos comumente, dermatites e abortos. Úlceras de córnea (figura 3), ceratite estromal e sequestro de córnea são manifestações oculares descritas com relativa prevalência.
Figura 1. Aspecto clínico de fi lhote com infecção herpética. Blefaroespasmo, secreção nasal e ocular purulentas. Foto: arquivo pessoal do autor.
Figura 2. Quemose, hiperemia conjuntival e secreção ocular bilateral em gato com infecção herpética. Foto: arquivo pessoal do autor.
Figura 3. Úlcera de córnea em paciente com infecção herpética. Foto: arquivo pessoal do autor.
A infecção aguda, pelo tropismo do vírus e característica lítica, pode gerar uma série de sequelas em seus principais sítios de acometimento – epitélio nasal, córnea e conjuntivas.
As principais teorias acerca da rinite crônica secundária à infecção herpética são relacionadas aos danos que o vírus causa no epitélio nasal que reveste os ossos etmoturbinados. A destruição epitelial causada pelo vírus torna a ossatura dos turbinados mais predisposta a infecções bacterianas secundárias (oportunistas), em virtude das graves alterações anatômicas associadas (perda de células secretoras de muco, redução de IgA, perda de epitélio ciliado com caraterística retentora, etc). Agentes bacterianos associados, como o Mycoplasma spp., também devem ser pesquisados nesses casos, com o uso da PCR.
Outro ponto pouco avaliado nos pacientes que já tiveram um quadro herpético é o comprometimento na produção do filme lacrimal. O herpesvírus gera destruição das células caliciformes conjuntivais, com efeitos sobre a qualidade do filme lacrimal que podem durar semanas a meses. Essas alterações podem resultar em olho seco, com ceratite e desconforto associados.
Tratamento
É fundamental que sigamos consensos para a melhor abordagem terapêutica a esses pacientes. Os antibióticos são indicados nos casos de doença aguda em que exista secreção purulenta sem melhora após 5 – 7 dias de observação e/ou em casos com manifestações como febre, inapetência e desvio à esquerda. Os antibióticos de eleição são: a doxiciclina e a amoxicilina com ácido clavulânico.
O uso de antivirais também é indicado nas crises agudas, sendo o famciclovir o antiviral mais recomendado na atualidade. As doses com efeito sistêmico são de 40 – 50mg/kg BID (indicado para manifestações respiratórias e/ou dermatológicas), e a dose com excreção lacrimal efetiva (em casos de conjuntivite, ceratite e úlcera de córnea) é de 90mg/kg BID.
A terapêutica sintomática, com correção da desidratação e suporte enteral se faz necessária em alguns casos.
O uso de L-lisina não é mais recomendado na atualidade, por falta de evidências científicas em sua aplicabilidade.
Nos casos de rinite crônica, a fluidificação nasal (com o uso de solução salina), além da umidificação ambiental e redução da exposição a alérgenos ambientais constituem-se nas primeiras medidas de manejo. O uso de antibióticos (tópicos ou sistêmicos) não é indicado primariamente e deve-se seguir o consenso para escolha racional da terapêutica antimicrobiana já publicado.
Nos pacientes com úlceras de córnea ou ceratite herpética, o famciclovir é um fármaco bastante indicado devido a sua excreção lacrimal. Além disso, a utilização de colírios específicos para a lubrificação ocular é recomendada, pois pacientes com quadros oftalmológicos podem passar longos períodos (semanas a meses) com alteração no filme lacrimal, o que justifica o uso prolongado dos lubrificantes oculares nestes casos. Devido a elevada viscosidade, colírios compostos pela associação de Hialuronato de Sódio e Carboximetilcelulose são capazes de manter a hidratação ocular e auxiliar a minimizar os sintomas, oferecendo maior conforto ao paciente.
Referências consultadas
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