Síndrome do Olho Seco e os Benefícios do uso de Lubrificantes
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- Dra. Adriana Lima Teixeira
- Médica Veterinária responsável pelo Serviço de Oftalmologia do Provet
- Diretora Científica do GENOV - Grupo de Ensino em Oftalmologia
- Coordenadora da Especialização em Oftalmologia - ANCLIVEPA/SP
A Oftalmologia Veterinária
A Oftalmologia Veterinária se desenvolveu muito nos últimos 15 anos no Brasil num cenário em que os tutores de animais de companhia buscavam por mais qualidade no atendimento médico veterinário, e onde os avanços diagnósticos permitiram que os profissionais se aperfeiçoassem em diversas especialidades veterinárias. A oftalmologia é uma área em que o profissional precisa estar apto a identificar pequenas alterações nas estruturas oculares e perioculares por meio de um exame minucioso e com o auxílio de equipamentos específicos.
Ao longo do desenvolvimento da especialidade, vários procedimentos foram incorporados a partir do que se realizava na Medicina, e então adaptados para a rotina clínica dos pacientes veterinários. Diversos equipamentos e produtos oftálmicos fabricados para o ser humano nem sempre atendem de forma satisfatória as necessidades da prática da medicina veterinária. Diante desse desafio, a indústria tem criado produtos e aparelhagem oftálmica especialmente elaborados para atender os pacientes veterinários.
Considerando esse contexto, são abordados a seguir tópicos sobre a saúde da superfície ocular e uso de substitutos de lágrima na Medicina Veterinária.
Fisiologia do filme lacrimal
As alterações do filme lacrimal podem ser tanto (i) causas de doenças da superfície ocular, como (ii) consequências de doenças que afetem quaisquer estruturas envolvidas na produção e distribuição da lágrima.
No primeiro caso, a deficiência de algum componente do filme lacrimal pode causar inflamação da superfície ocular.
No segundo caso, por exemplo, a inflamação das glândulas de meibômio, que produzem a parte lipídica da lágrima, compromete sua qualidade, causando um ciclo inflamatório envolvendo pálpebras e superfície ocular.
O filme lacrimal, que é o primeiro meio refrativo da superfície ocular, possui as seguintes funções:
- Fornecimento de oxigênio para a córnea, que é avascular;
- Lubrificação da córnea, diminuindo seu atrito com as pálpebras durante o ato de piscar;
- Fonte de proteínas com ação antimicrobiana;
- Remoção de debris e restos celulares por meio da sua drenagem.
Pode-se dizer que existe uma íntima relação entre as estruturas da superfície ocular e o filme lacrimal (Figura 1A e 1B).
A constituição do filme lacrimal é complexa e sua produção e distribuição dependem de componentes distintos nos anexos oculares. O filme lacrimal é composto por:
Mucinas: glicoproteínas de alto peso molecular aderidas intimamente ao epitélio hidrofóbico da superfície ocular, constituindo a camada mucóide do filme lacrimal. As mucinas permitem a distribuição da camada aquosa da lágrima sobre a superfície ocular, já que possuem uma parte hidrofílica. As mucinas são produzidas principalmente pelas células caliciformes da conjuntiva com uma pequena contribuição das células epiteliais da superfície ocular (ARGUESO; GIPSON, 2001).
Água: componente do filme lacrimal que contém também eletrólitos (Na, K, Cl) e proteínas, incluindo fator de crescimento epidérmico, imunoglobulinas, lactoferrina, lisozima e outras citocinas. Esses componentes tem um papel de proteção e manutenção da homeostase na superfície ocular. A camada aquosa é produzida pela glândula lacrimal principal e glândula da terceira pálpebra (DAVIDSON; KUONEN, 2004).
Lipídeos: são secretados pelas glândulas de meibômio e servem para estabilizar o filme lacrimal, aumentando a tensão superficial e diminuindo a evaporação da lágrima (NAVEEN et al., 2009).
A síndrome do olho seco e as suas classificações
A síndrome do olho seco é qualquer alteração no filme lacrimal e superfície ocular que leve à irritação ocular e, em alguns casos, déficit visual (JAVADI e FEIZI, 2011). Essa condição é muito frequente em cães e também denominada de ceratoconjuntivite seca (CCS). Podemos classificar a CCS como quantitativa, qualitativa ou secundária a alterações na distribuição do filme lacrimal (GIULIANO, 2013).
A) Ceratoconjuntivite seca quantitativa
A CCS quantitativa ocorre por uma deficiência na camada aquosa da lágrima, e inúmeras causas devem ser consideradas e descartadas, antes de se pensar na possibilidade de origem imunomediada, que é a mais comum.
Dentre as possíveis causas a serem consideradas, destacam-se:
- Adenite infecciosa nos cães (causada pelo vírus da cinomose ou pela leishmaniose);
- Má formação da glândula lacrimal em alterações congênitas;
- Induzida por medicações (p. ex. sulfonamidas por via oral e atropina de uso tópico);
- Neurogênica por perda da inervação parassimpática das glândulas lacrimais (VII par de nervos cranianos) ou por perda da inervação sensitiva da superfície ocular (V par de nervos cranianos);
- Iatrogênica (secundária remoção cirúrgica da glândula da terceira pálpebra ou por comprometimento do nervo facial após uma cirurgia na face, como por exemplo, a ablação de conduto auditivo);
- Secundárias a otite média ou interna que ocasione comprometimento da inervação;
- Traumática ou secundária a doenças inflamatórias na órbita;
- Secundária a radioterapia;
- Atrofia senil;
- Doenças metabólicas (hipotiroidismo, hiperadrenocorticismo e diabetes mellitus);
- Imunomediada.
B) Ceratoconjuntivite seca qualitativa
A CCS qualitativa ocorre quando há uma instabilidade do filme lacrimal devido a deficiência da camada mucosa (MOORE; COLLIER, 1990) ou lipídica (BUTOVICH, 2011), e tem sido identificada com maior frequência na rotina clínica veterinária nos últimos anos. Exemplos de casos em que se tem a deficiência qualitativa lacrimal seguem listadas:
- Distúrbios das glândulas de meibômio;
- Inflamação das junções mucocutâneas;
- Doenças conjuntivais crônicas;
C) Alterações na distribuição do filme lacrimal
Problemas na distribuição da lágrima são causados por alterações relacionadas à anatomia e inervação das estruturas oculares e perioculares, por exemplo:
- Lagoftalmia;
- Buftalmia;
- Paralisia palpebral;
- Deformidades palpebrais.
Predisposição racial
A predisposição racial à CCS varia conforme a localização geográfica. A literatura brasileira sobre predisposição racial à CCS é escassa. Nos Estados Unidos as raças de cães predispostas incluem Cavalier King Charles Spaniel, Bulldog Inglês, Lhasa Apso, Shih tzu, West Highland Terrier, Pug, Bloodhound, Cocker Spaniel Americano, Pequinês, Boston Terrier, Schnauzer miniatura e Samoieda (KASWAN e SALISBURY, 1990).
Um estudo no Reino Unido mostrou que as raças com maior incidência de CCS são o Cocker Spaniel Inglês, Cavalier King Charles Spaniel, West Highland Terrier e Shih tzu (SANCHEZ et al., 2007).
Senilidade
De forma semelhante ao que ocorre em pacientes humanos, as glândulas lacrimais do cão diminuem a produção da fase aquosa do filme lacrimal com o avanço da idade (HARTLEY et al., 2006). Dessa forma, cães idosos tem maior chance de desenvolver CCS e, portanto, devem passar por uma avaliação oftálmica rotineiramente.
Patofisiologia da síndrome do olho seco
Nos pacientes com deficiência na camada aquosa da lágrima ocorre desidratação, hiperosmolaridade e hipóxia no epitélio conjuntival e corneano. Isso leva a uma cascata inflamatória que pode resultar em apoptose celular, isto é, perda de células caliciformes com consequente deficiência de muco, resultando em instabilidade do filme lacrimal.
A instabilidade do filme lacrimal, por sua vez, leva a uma maior evaporação da fase aquosa e, dessa forma, esse ciclo se perpetua (NAVEEN et al., 2009).
No estágio inicial da doença, a inflamação e a irritação mecânica pela falta de lubrificação estimulam o lacrimejamento reflexo e a frequência do ato de piscar. Nessa fase, observa-se um ressecamento da superfície ocular e hiperosmolaridade (Figura 2).
Conforme a doença avança, o dano à superfície ocular leva a uma redução da sensibilidade e o reflexo de lacrimejamento fica comprometido (NAVEEN et al., 2009).
Em estágios avançados, o dano conjuntival crônico pode levar a metaplasia e queratinização prejudicando a transparência corneana e, consequentemente, a visão do paciente (GIULIANO, 2013).
Figura 2. Olho esquerdo de um cão portador de olho seco em seu estágio inicial. Aspecto ressecado da superfície ocular e presença de neovasos na córnea. Nota-se o lacrimejamento reflexo pela quantidade de lágrima presente no fórnice conjuntival inferior e umidade na região periocular. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Diagnóstico e prevenção
No estágio inicial da CCS, as manifestações oculares podem ser bastante sutis, geralmente os olhos ficam mais vermelhos e é observada secreção mucóide (Figura 3). Se a doença for diagnosticada e tratada nessa fase, será menor a chance do paciente desenvolver sequelas ou outros problemas oftálmicos.
Figura 3. Olho direito de um cão portador de olho seco em estágio inicial: A. Secreção mucóide e crostas aderidas às bordas palpebrais; B. Mesmo olho após a limpeza. Nota-se neovascularização corneana e hiperemia conjuntival. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Conforme a doença evolui, a conjuntiva fica cada vez mais hiperêmica, a córnea torna-se opaca e a quantidade de secreção ocular aumenta cada vez mais, variando de uma secreção mucóide a mucopurulenta, cuja coloração pode variar entre esbranquiçada, amarelada e esverdeada, na dependência da presença ou não de infecção bacteriana secundária. Nessa fase, é muito comum a doença ser mal diagnosticada como “conjuntivite bacteriana”, uma afecção de rara ocorrência nos cães.
Mesmo que haja infecção secundária nesses pacientes, tão logo o fluxo de lágrima volte ao normal, haverá um reequilíbrio da microbiota e desaparecimento da secreção produzida pelas células caliciformes da conjuntiva. Em geral, nessa fase, os pacientes sentem desconforto ocular e coçam os olhos podendo agravar as lesões. Além disso, a córnea começa a vascularizar de forma mais evidente e acumular pigmento (Figura 4).
Figura 4. Olhos de cães portadores de olho seco apresentando: hiperemia conjuntival; opacidade, neovascularização e pigmentação corneana; secreção mucóide a mucopurulenta, em quantidades variadas; e crostas aderidas às bordas palpebrais. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Nos casos crônicos, o acúmulo de secreção pode gerar inflamações cutâneas perioculares e ainda mais desconforto. Nessa fase, os tutores podem relatar dificuldade visual decorrente da intensa pigmentação corneana (Figura 5).
Figura 5. Olhos de cães portadores de olho seco em estágio crônico. Aspecto ressecado e irregular da superfície ocular, com hiperemia conjuntival e presença de pigmentação corneana que compromete a visão: A. Secreção mucoide e crostas aderidas à superfície ocular; B. Mesmo olho após a limpeza; C. Secreção aderida à superfície ocular; D. Blefarite decorrente do acúmulo de secreção na região periocular, secundário ao quadro de olho seco. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
O diagnóstico se baseia na anamnese e no exame oftálmico, sendo essencial a realização de:
- Teste lacrimal de Schirmer;
- Inspeção da superfície ocular por meio de biomicroscopia com lâmpada de fenda;
- Avaliação do tempo de quebra do filme lacrimal;
- Avaliação da sensibilidade corneana;
- Uso de corantes vitais, como fluoresceína, lissamina verde ou rosa bengala (Figura 6).
Figura 6. Exame da superfície ocular. A. Biomicroscopia com lâmpada de fenda que é imprescindível para uma avaliação oftálmica adequada; B. Olho esquerdo de um cão corado com rosa bengala, que se deposita em células degeneradas (não cobertas por mucina) da superfície ocular, identifi cando a presença de áreas de ressecamento. Nota-se uma área de conjuntiva corada adjacente ao limbo e outra não corada na região onde há proteção da pálpebra nesse paciente portador de macrobléfaro. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Como destacado anteriormente, a CCS pode estar associada a várias causas. Por isso, além dos principais sintomas e tempo de evolução, deve-se investigar doenças prévias ou concomitantes, procedimentos já realizados e medicações em uso.
O teste lacrimal de Schirmer é o método padrão para o diagnóstico da CCS quantitativa e consiste na colocação de uma tira de papel filtro milimetrada, e disponível comercialmente, na junção do terço médio para região lateral da pálpebra inferior (Figura 7).
Figura 7. Teste lacrimal de Schirmer. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
A quantificação da produção de lágrima é feita pela medida da extensão do papel filtro que ficou úmida em um minuto. De acordo com Giuliano (2013) os valores de referência para cães são os seguintes:
- ≥15mm/min = produção normal
- 11–14mm/min = CCS inicial ou subclínica
- 6–10mm/min = CCS moderada
- ≤5mm/min = CCS grave
O diagnóstico clínico de CCS qualitativa por deficiência de mucina pode ser realizado por meio do teste de tempo de quebra do filme lacrimal (ou BUT como se abrevia em inglês “break up time”) que avalia a capacidade da superfície corneana de reter uma camada de lágrima homogênea em um tempo previamente determinado em cães normais.
O BUT é realizado instilando-se uma gota de fluoresceína no olho enquanto ele é examinado com auxílio de lâmpada de fenda sob filtro de cobalto, com as pálpebras mantidas abertas. O tempo é registrado desde o último piscar até o aparecimento da primeira área escura no filme lacrimal, que em cães normais deve ser de 20 segundos ou mais (MOORE et al., 1987).
O uso da biomicroscopia com lâmpada de fenda é imprescindível para o diagnóstico da deficiência lipídica, uma vez que ela deve ser utilizada para inspeção das margens palpebrais e avaliação das glândulas de meibômio.
O tratamento da CCS dependerá da etiologia e a maioria dos pacientes portadores de olho seco imunomediado responderão de forma satisfatória ao uso de imunomoduladores. Em alguns casos a doença poderá ser refratária ao tratamento e/ou necessitar de abordagem cirúrgica, o que deverá ser minuciosamente avaliado por um médico veterinário que milite na área de oftalmologia (Figura 8).
Figura 8. Olho direito de um cão portador de olho seco refratário ao tratamento, evidenciando o ressecamento da superfície ocular, opacidade e neovascularização corneana. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Alguns pacientes portadores de olho seco podem desenvolver úlceras de córnea decorrentes do ressecamento da superfície ocular, autotraumatismo ou deficiência na inervação corneana. A manutenção da homeostasia e renovação celular da córnea sofre influência direta da inervação corneana.
Quando as úlceras estão presentes, faz-se necessário identificálas e tratá-las de forma imediata, evitando o agravamento do quadro, que pode inclusive levar à perda visual ou perda do bulbo ocular (Figura 9).
Figura 9. Olhos de cães portadores de olho seco e úlceras de córnea: A. Úlceras superficiais; opacidade e neovascularização corneana; B. e C. Úlceras superfi ciais, opacidade, neovascularização e pigmentação corneana; D. Perfuração corneana sem prognóstico visual, em olho que foi indicado para enucleação, decorrente de olho seco tratado de forma inadequada. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Vale salientar que portadores da Síndrome do olho seco em sua fase inicial podem apresentar como primeira manifestação clínica a ocorrência de úlcera de córnea. Nesses casos, além do diagnóstico e tratamento adequados para a úlcera em questão, é imprescindível avaliar a possibilidade de olho seco concomitante, e iniciar o tratamento da causa de base.
A despeito do diagnóstico e da resposta satisfatória do paciente ao tratamento do olho seco, é fundamental informar aos tutores que nem sempre haverá o retorno da transparência corneana. Quanto mais tardio for o diagnóstico e quanto mais crônicas forem as manifestações clínicas, maiores serão as sequelas. Na maioria dos pacientes é possível minimizar os sintomas com o tratamento adequado. Se houver deformidades palpebrais, que causem uma exposição anormal do bulbo ocular favorecendo a evaporação excessiva da lágrima, é imprescindível a sua correção cirúrgica (Figura 10).
Figura 10. Olhos de cães portadores de olho seco em tratamento: A. Hiperemia conjuntival; opacidade e neovascularização corneana; pálpebra em formato de diamante; B. Pigmentação, neovascularização corneana e lagoftalmia decorrente de macrobléfaro. Em A e B existe a indicação para blefaroplastia além da manutenção do tratamento médico para controle da CCS. Fonte: Serviço de Oftalmologia do PROVET, São Paulo.
Independente da etiologia, o tratamento visa o controle da doença e não a sua cura. Frente a necessidade de uso contínuo de medicação, os substitutos da lágrima devem ser considerados como importantes ferramentas adjuvantes ao tratamento.
Substitutos da lágrima
Por promoverem lubrificação e consequentemente conforto ocular aos pacientes, os substitutos de lágrima minimizam a chance de autotraumatismo, e podem ser utilizados no manejo do olho seco, porém, obviamente, sempre associados ao tratamento específico da sua causa de base.
A frequência da utilização dos substitutos da lágrima depende da sua composição e da gravidade de cada caso.
Os agentes mais comumente presentes em substitutos da lágrima disponíveis comercialmente são:
- Álcool polivinílico;
- Polímeros de celulose (metilcelulose, carboximetilcelulose e hidroxipropilcelulose);
- Dextrano;
- Polivinilpirrolidona;
- Hialuronato de sódio ou ácido hialurônico.
Substitutos da lágrima contendo ácido hialurônico (AH) e carboximetilcelulose (CMC) possuem elevada viscosidade e, portanto, um tempo de permanência relativamente alto na superfície ocular (SIMMONS e VEHIGE, 2007; GIULIANO, 2013). Em pacientes humanos essas substâncias melhoram a estabilidade da lágrima, pois aumentam o tempo de quebra do filme lacrimal (JOHNSON et al., 2004; SIMMONS e VEHIGE, 2007).
Adicionalmente, estudos em coelhos demonstraram que o AH aumenta a migração das células epiteliais corneanas, facilitando, portanto, a cicatrização de úlceras de córnea (MIYAUCHI et al., 1990; NISHIDA et al., 1991; SUGIYAMA et al., 1991; YANG, et al., 2010). A CMC também parece acelerar a cicatrização corneana em coelhos (GARRETT et al., 2008). Diante desses fatos, substitutos da lágrima contendo AH e CMC podem ter vantagens sobre outras substâncias e são excelentes opções para pacientes que, além da CCS, possuam úlcera de córnea.
Quando comparados em pacientes humanos, em termos de diminuição dos sintomas do olho seco e melhora do tempo de quebra do filme lacrimal, o AH e a CMC tem resultados semelhantes (LEE et al., 2011).
Por outro lado, o uso de AH e CMC combinados em uma única solução oftálmica parece ter um desempenho melhor em comparação às soluções contendo apenas uma dessas substâncias, sinalizando um possível sinergismo na associação (SHE et al, 2015).
A indicação dos substitutos de lágrima, entretanto, não se limita a auxiliar no tratamento do olho seco. Os lubrificantes podem ser utilizados em várias outras situações rotineiras em cães e gatos, como:
- Higienização ocular;
- Durante cirurgias em geral: pacientes anestesiados podem manter os olhos entreabertos, aumentando a evaporação da lágrima, além de ter a sua produção lacrimal diminuída (HERRING et al., 2000);
- Pós-operatório de cirurgias oculares: ajuda a manter a superfície ocular lubrificada e evitar úlceras de córnea, além de favorecer o deslizamento das pálpebras sobre o olho;
- Antes e após o banho: durante o banho pode ocorrer um ressecamento da superfície ocular, contato com produtos químicos e/ ou agressão física da superfície ocular;
- Úlceras de córnea ou outras doenças oculares dolorosas: os lubrificantes oculares favorecem o deslizamento das pálpebras sobre a superfície dando mais conforto ao paciente;
- Durante tratamentos com medicações que ressequem a superfície ocular: o colírio de atropina a 1%, por exemplo, utilizado como cicloplégico para alívio da dor em pacientes com úlceras de córnea, pode causar ressecamento ocular (GIULIANO, 2013);
- Braquicefálicos: em geral são pacientes com olhos mais expostos e menor sensibilidade corneana, características que os fazem apresentar úlceras de córnea mais graves e/ou complicadas no momento do diagnóstico;
- Animais que apresentam anormalidades na conformação palpebral: pacientes com deformidades palpebrais terão uma tendência de maior evaporação da lágrima em função da superfície ocular ser mais exposta do que o normal;
- Animais idosos: as glândulas lacrimais do cão diminuem a produção da fase aquosa do filme lacrimal com a idade.
Outras observações importantes:
- A causa mais comum de conjuntivite no cão é o olho seco;
- A conjuntivite infecciosa é rara em cães, por outro lado, é frequente em gatos.
- Cães braquicefálicos tem uma sensibilidade corneana menor do que cães dolicocefálicos e mesocefálicos e, por isso, podem não manifestar dor ocular, dificultando que o seu tutor perceba que há algo errado com a sua saúde ocular. Portanto são pacientes que merecem mais atenção em relação aos seus olhos.
- O herpesvírus felino pode induzir olho seco em gatos por destruição de células caliciformes da conjuntiva, e o uso contínuo de ácido hialurônico ajuda a minimizar os sintomas e recidivas.
Agradecimentos especiais
- Dr. Matheus da Silva Pedro, médico veterinário, colaborador da Equipe de Oftalmologia do PROVET, pelo fornecimento das imagens.
- Dra. Verena Voget, médica veterinária, colaboradora da Equipe de Oftalmologia do PROVET, pelo auxílio na revisão de literatura.
Referências
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