Uso de diuréticos na rotina clínica
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Introdução
O uso de diuréticos é amplamente difundido na clínica médica de cães e gatos, especialmente em pacientes com cardiopatia ou outras enfermidades que tenham como consequência a formação de edema ou coleções líquidas em diferentes locais do organismo.
Os diuréticos são classificados de acordo com o local e mecanismo de ação dos mesmos, podendo ser utilizados sozinhos ou associados. Os fármacos mais comumente utilizados são os diuréticos de alça, que tem como importante representante desse grupo a furosemida. Devido às características farmacocinéticas e farmacodinâmicas, os diuréticos podem ter ação em poucos minutos, proporcionando ao paciente rápida melhora das manifestações clínicas. Os mecanismos de ação e a classificação dos diuréticos frequentemente prescritos para os cães e gatos, assim como as aplicações clínicas, os efeitos benéficos e colaterais, serão abordadas neste informativo técnico.
Classificação dos Diuréticos
Os diuréticos atualmente são classificados em cinco grupos a saber:
Diuréticos de alça
Os diuréticos de alça possuem alta potência diurética e se caracterizam por atuar na porção espessa e ascendente da alça de Henle dos túbulos renais dos néfrons (Figura 1). Estes diuréticos podem inibir em até 20% a reabsorção de sódio, cloro e consequentemente a água, além de aumentar a excreção de potássio. Os principais representantes desde grupo de diuréticos são a furosemida e a torasemida.
A furosemida inibe o transporte de sódio e água no ramo ascendente da alça de Henle e atua inibindo a reabsorção de sódio e cloro junto com a perda de potássio. A diurese por furosemida resulta dessa excreção aumentada de sódio, cloreto, potássio, hidrogênio, cálcio, magnésio e, possivelmente, fosfato. É considerada uma droga valiosa em situações de emergência, pois tem rápido início de ação e curta duração. Ela possui propriedades vasodilatadoras, aumentando a perfusão renal e diminuindo a pré-carga cardíaca. Pode ser administrada dentro de uma ampla faixa de doses, além da utilização crônica ou em terapia emergencial.
A torasemida é outro representante dos diuréticos de alça, considerada um fármaco potente com estrutura química semelhante aos tiazídicos, combinando assim, efeitos de ambos os grupos. Comparada a furosemida, a torasemida apresenta mecanismo de ação semelhante, porém existem diferenças entre o tempo de ação e duração do efeito desses dois fármacos. Sua utilização vem aumentando, mas ainda é considerado restrito a casos específi cos devido a refratariedade ao tratamento com outros diuréticos.
Tiazídicos
Os diuréticos tiazídicos são considerados diuréticos de potência média e tem como local de ação o túbulo renal contornado distal (Figura 1). Inibem entre 5 e 10% a reabsorção de sódio, cloro e potássio e possuem farmacocinética semelhante à furosemida e ação sinérgica quando associados a mesma. A hidroclortiazida é o principal fármaco pertencente a este grupo de diuréticos.
Poupadores de potássio
Os diuréticos poupadores de potássio, como a espironolactona, apresentam baixa potência diurética, pois o bloqueio na reabsorção de sódio na porção distal dos túbulos contornados distais e ductos coletores é menor que 5% (Figura 1). A espironolactona exerce efeito competidor com os receptores de aldosterona e por este motivo é considerado um fármaco antagonista da aldosterona retardando a fi brose miocárdica presente no processo de ICC.
Inibidores da anidrase carbônica
Os inibidores da anidrase carbônica possuem baixa potência diurética e inibem a reabsorção de bicarbonato (HCO3 -), principalmente nos túbulos contornados proximais e distais e em outros segmentos do organismo (Figura 1) que envolvem transporte iônico de H+ ou HCO3 - . O principal representante dos inibidores da anidrase carbônica é a acetazolamida.
Diuréticos osmóticos
Os principais representantes deste grupo de diuréticos são o manitol e a glicose. O manitol exercerá sua ação principalmente no túbulo contornado proximal e nos ramos descendente, ascendente e delgado da alça de Henle. O manitol que não é absorvido no túbulo contornado proximal, diminui a reabsorção de sódio, promovendo a diurese. No ramo descendente da alça de Henle ocorre redução da reabsorção de água devido a hipotonicidade que se desenvolve na medula renal, em decorrência do aumento de fluxo sanguíneo medular causado pela ação deste tipo de diurético. A glicose, por sua vez, atua de forma mais ampla por toda extensão do néfron, impedindo a absorção de água e sódio.
FIGURA 1: Representação esquemática do néfron demonstrando os principais locais de ação dos diuréticos. IAC: Inibidores da anidrase carbônica (acetazolamida), PK: Poupadores de potássio (espironolactona), osmóticos (manitol e glicose), diuréticos de alça (furosemida e torasemida) e tiazídicos (hidroclortiazida).
Aplicações Clínicas dos Diuréticos
As situações que demandam o uso de diuréticos na clínica de pequenos animais podem ser divididas em três grupos: Grupo 1 (Animais com aumento da volemia), Grupo 2 (Animais normovolêmicos) e Grupo 3 (Animais com diferentes estados de volemia) (Quadro 1).
QUADRO 1: Aplicações clínicas dos diuréticos de acordo com os grupos de pacientes.
Grupo 1: Animais com aumento da volemia
Este grupo é formado pelos animais que apresentam Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), tendo como origem qualquer cardiopatia de caráter adquirido ou congênito. Nesta condição, o animal pode aumentar a sua volemia em até 30%, devido à ativação de mecanismos compensatórios tais como o sistema-renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).
A ICC é considerada uma síndrome clínica resultante de estímulos neuroendócrinos com o objetivo de compensar a queda do débito cardíaco devido a uma cardiopatia. Pode ser defi nida como uma disfunção sistólica e/ou diastólica do coração ocasionando defi ciência no suprimento adequado de sangue às demandas metabólicas do organismo. Nesta síndrome, o animal pode apresentar como manifestações clínicas congestão pulmonar, edema pulmonar, congestão hepática, ascite, efusão pleural, anasarca, edema de membros e de forma mais rara, efusão pericárdica, as quais se apresentam de forma isolada ou simultânea, ocorrendo devido ao aumento da pressão hidrostática intravascular pelo aumento da volemia.
A ICC é classifi cada em classes funcionais e baseada na gravidade das manifestações clínicas conforme propostas pelo International Small Animal Cardiac Health Council (ISAHC) no Quadro 2.
QUADRO 2: Classifi cação das classes funcionais da ICC (Insuficiência Cardíaca Congestiva) de acordo com o International Small Animal Cardiac Health Council (ISAHC).
Atualmente, o tratamento de um cardiopata é composto por um arsenal farmacológico que tem por finalidade bloquear alguns mecanismos compensatórios cardíacos neuro-humorais, tais como o sistema renina - angiotensina – aldosterona e o sistema nervoso autônomo simpático, que são ativados de forma crônica, causando assim o aumento da volemia e da póscarga, remodelamento cardíaco e vascular e as manifestações clínicas da ICC.
O principal objetivo do tratamento destes pacientes é aumentar a sobrevida, proporcionando uma melhor qualidade de vida e retardando a evolução da cardiopatia. É importante ressaltar que o tratamento clínico não proporcionará a cura para os animais acometidos, visto que a maioria das cardiopatias necessitam de intervenção cirúrgica como o transplante cardíaco ou cirurgias reconstrutivas para sua resolução. No entanto, como isso ainda não representa a realidade da Medicina Veterinária, encontramos barreiras para a cura definitiva destas cardiopatias em cães e gatos.
Os diuréticos constituem um grupo de fármacos com importante função terapêutica no tratamento de cães e gatos cardiopatas. Possuem propriedades que permitem a prescrição destes fármacos em condições emergenciais assim como no tratamento de manutenção da ICC. Como são efi cazes no controle de sinais clínicos relacionados à ICC, são indicados em pacientes em classe funcional 2 e 3 da doença, já que esses apresentam manifestações clínicas evidentes e graves da cardiopatia. Os diuréticos recomendados na terapia da ICC são os diuréticos de alça, os tiazídicos e os poupadores de potássio. Os diuréticos de alça, como a furosemida são amplamente utilizados nessa enfermidade por apresentarem um efeito rápido e conferir melhora satisfatória das manifestações clínicas.
A furosemida é administrada rotineiramente por via oral para controle crônico da sobrecarga de volume associada à doença cardíaca em cães e gatos. É um dos medicamentos mais importantes administrado em cães e gatos na insufi ciência cardíaca congestiva (ICC) e geralmente é necessário administrar por via oral para controle a longo prazo, depois que a ICC se desenvolver.
Relatos de cães com ICC crônica demonstram os possíveis efeitos benéficos da torasemida no controle da afecção, sendo esse outro diurético de alça bem tolerado pelos pacientes, com eficácia similar à furosemida no manejo da ICC crônica em cães. A dose inicial preconizada para a torasemida por via oral em cães é de 0,2 mg/kg a cada 12 ou até 48 horas. Apesar de alguns trabalhos já demonstrarem os possíveis benefícios da torasemida no tratamento da ICC, é necessário a realização de mais estudos para avaliar a eficácia e a segurança deste fármaco no tratamento crônico dessa cardiopatia em cães e gatos.
A hidroclortiazida é a principal representante dos diuréticos tiazídicos e é indicada nos quadros refratários de ICC, devendo ser prescrita no tratamento de manutenção da ICC e não no tratamento emergencial. A utilização deste fármaco deve sempre estar associada à furosemida, pois a monoterapia com hidroclortiazida confere potência diurética moderada. Em humanos, a utilização desse fármaco como única terapia diurética para o controle da ICC e da hipertensão arterial sistêmica é efetiva, porém o mesmo não é observado na Medicina Veterinária. A dose recomendada para cães varia de 2 a 4 mg/kg e para os gatos entre 1 e 2 mg/kg, ambos em intervalos de 12 a 72 horas por via oral. Os efeitos colaterais são semelhantes aos da furosemida como hipocalemia e desidratação, necessitando de maior atenção ao paciente quando houver associação de ambos os diuréticos. Quando necessária, essa associação é geralmente recomendada em quadros refratários de ascite e efusão pleural.
Outro diurético utilizado para o tratamento da ICC é a espironolactona, especialmente em pacientes que apresentam ascite e efusão pleural.
Edema pulmonar cardiogênico (EPC)
Considerado um quadro clínico emergencial, o edema pulmonar cardiogênico (EPC) caracteriza-se pelo acúmulo de líquido no parênquima pulmonar, em função do aumento da pressão hidrostática intravascular venosa e redução da complacência venosa devido a vasoconstrição venosa pulmonar, condição resultante da ativação dos mecanismos neuro-hormonais de compensação da insufi ciência cardíaca.
O objetivo da abordagem emergencial é reverter, no menor tempo possível, as manifestações clínicas do paciente em classe funcional 3, pois nestas condições há risco iminente de morte. Portanto, é necessário a internação do paciente em unidade de terapia intensiva para o monitoramento e tratamento adequado. A base do tratamento do EPC inclui o uso de oxigenoterapia, vasodilatadores, inotrópicos positivos, diuréticos e eventualmente os sedativos. Na presença de arritmias graves, os antiarrítmicos são necessários para auxiliar na resolução do EPC. O objetivo da utilização dos diuréticos no tratamento do EPC é a remoção do fl uido em excesso que se encontra no interstício e/ou alvéolos pulmonares, como consequência de uma cardiopatia.
O diurético de escolha para o tratamento do EPC é a furosemida, por ser um fármaco de efeito rápido e de alta potência diurética em cães e gatos. Quando administrada por via intravenosa, possui início de ação em 5 minutos e pico em 30 minutos. A dose de furosemida recomendada para este caso em cães é de 2 mg/kg a cada 1 hora, por via intravenosa em “bolus” até a dose máxima de 8 mg/kg com intervalos de 4 horas entre as administrações. Nos gatos a dose de furosemida deve ser menor do que a preconizada para os cães, pois os felinos apresentam maior sensibilidade ao fármaco e consequentemente, uma resposta terapêutica efetiva com menores doses. Nos gatos deve-se iniciar o tratamento do EPC na dose de 1 a 2 mg/kg a cada 2 horas por via intravenosa.
A frequência de administração da furosemida, assim como a diminuição da dose nos pacientes em tratamento para EPC, depende da boa evolução do quadro clínico. Atualmente preconiza-se a administração da furosemida em infusão contínua em cães, pois existem evidências de que, nesta forma de administração, o débito urinário é maior e a perda de potássio é menor quando comparada à administração em “bolus” deste fármaco.
A infusão contínua de furosemida deve ser considerada quando a resposta ao tratamento do EPC não está sendo efetiva ou quando o paciente apresenta taquipneia, agravamento da dispneia e expectoração de líquidos pelas vias aéreas. A dose de infusão contínua recomendada é de 0,66 a 1 mg/kg por hora, após uma dose inicial em “bolus” de 2 mg/kg por via intravenosa.
É importante considerar os efeitos colaterais dos diuréticos. Dentre os principais observados na utilização da furosemida no tratamento da EPC estão: letargia, desidratação e hipocalemia. Dessa forma, o monitoramento intensivo desses pacientes faz-se necessário, principalmente de parâmetros como desidratação e dosagem sérica de potássio, sendo essa última recomendada a cada 24 horas. Caso necessário, a reposição de potássio se faz por meio de fl uidoterapia. Além disso, o débito urinário deve ser monitorado através de sondagem uretral para uma avaliação adequada da efi cácia da terapia e indiretamente, avaliar o débito cardíaco. O débito urinário considerado adequado e normal para estes animais é de 1 a 2 mL de urina/ kg de peso, por hora. Valores de débito urinário acima destes citados são esperados em pacientes submetidos a terapia com a furosemida.
Nos pacientes em classe funcional 3 no qual obteve-se êxito no tratamento, a dose recomendada da furosemida para a manutenção varia de 1 a 4 mg/kg a cada 24, 12 ou 8 horas por via oral. Nos gatos esta dose pode variar de 1 a 2 mg/kg a cada 24, 12 ou 8 horas por via oral.
Em casos onde o tratamento emergencial de EPC surtiu efeito esperado, a dose oral de furosemida utilizada após essa primeira abordagem é de 3 a 4 mg/kg a cada 8 a 12 horas por um período de 3 dias. Após a estabilização do paciente, a dose deve ser ajustada para 2 a 3 mg/kg a cada 12 a 24 horas até uma reavaliação clínica. Devemos ressaltar que não existe um protocolo ideal de doses para a furosemida no tratamento da ICC, mas sim o reajuste da dose para cada caso conforme as manifestações clínicas e, desta forma, administrar a menor dose efetiva da furosemida para seu controle.
Os efeitos colaterais que podem ser observados após o uso da furosemida via oral são: letargia nos primeiros dias de tratamento, desidratação, hipocalemia e raramente a hipotensão. O comprometimento da função renal e alterações nos níveis séricos de potássio e sódio pelo uso da furosemida tem sido observado em pacientes com o uso prolongado e doses iguais ou acima de 3 a 4 mg/kg a cada 8 horas por via oral.
A associação da furosemida a outros diuréticos como a hidroclortiazida pode ser benéfica ao paciente, visto que esses fármacos possuem sinergismo entre si. No entanto, os efeitos colaterais como a desidratação e a hipocalemia podem ser acentuados.
Quando houver a necessidade de associar fármacos de outras classes à furosemida, como os anti-inflamatórios esteroidais, deve-se reajustar a dose de furosemida pois o antagonismo entre esses medicamentos pode levar à piora ou recidiva dos sinais clínicos da ICC, bem como gerar algum comprometimento renal.
O uso crônico de furosemida pode levar ao desenvolvimento de “resistência diurética”, fenômeno resultante da hipertrofia da parede do túbulo renal na porção espessa da alça de Henle, sítio de ação do fármaco. Dessa forma, o efeito diurético da furosemida será menor se comparado ao início do tratamento, sendo necessário o aumento da dose ou troca da via de administração para manter a eficácia. Pacientes em tratamento com furosemida de forma crônica devem ter seus níveis séricos de sódio, potássio, ureia e creatinina monitorados a cada 2 ou 3 meses.
A espironolactona é outra droga com possível uso no EPC e o início da terapia com esse diurético é sempre associado à furosemida e posteriormente pode-se adicionar a hidroclortiazida. A prescrição concomitante dos três diuréticos é chamada de bloqueio sequencial do néfron. Utiliza-se também a espironolactona em pacientes com hipocalemia de grau leve, afim de evitar a progressão desse distúrbio eletrolítico. A dose da espironolactona recomendada por via oral para cães é de 1 a 4 mg/kg a cada 12 horas e para os gatos de 1 a 2 mg/kg a cada 12 horas. Dentre os efeitos colaterais da espironolactona pode ocorrer hipercalemia, portanto a dosagem sérica de potássio é indicada nestes pacientes.
Quando é necessária a associação de espironolactona com outros fármacos poupadores de potássio, a dosagem sérica de potássio deve ser monitorada, evitando um quadro de hipercalemia. Os fármacos que podem elevar os níveis séricos de potássio quando prescritos em associação com a espironolactona são os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) tais como o enalapril e o benazepril e, os adrenolíticos como o trilostano.
Efusão pleural cardiogênica
A efusão pleural é uma frequente manifestação clínica da ICC direita e caracteriza-se pelo acúmulo de líquido anormal entre a membrana que reveste o pulmão e a cavidade torácica. Neste quadro clínico, o paciente geralmente apresenta-se em quadro grave de dispneia. Portanto, o tratamento tem por fi nalidade o alívio imediato da dispneia e para tal, é necessário a intervenção imediata, a qual baseia-se no aumento do aporte de O2 ao paciente e realização da toracocentese.
Após a abordagem inicial, recomendamos a prescrição de diuréticos por via oral, para controlar ou evitar a recidiva da efusão pleural. É recomendado a associação de furosemida na dose de 2 a 4 mg/kg a cada 12 ou 8 horas e espironolactona na dose 1 a 2 mg/kg a cada 12 horas. Esta terapia deve ser otimizada conforme o diagnóstico da cardiopatia de base.
Ascite cardiogênica
A ascite cardiogênica é um acúmulo anormal de líquido na cavidade abdominal devido a congestão de vasos sanguíneos e aumento da pressão hidrostática. Quando o paciente apresenta um grau importante de dispneia associado, é considerado um quadro emergencial, onde a realização de abdominocentese imediata é necessária.
Tanto em animais com ascite sem indicação de paracentese, como nos pacientes os quais esse procedimento já fora realizado, recomenda-se a prescrição de diuréticos para controlar ou evitar a recidiva da coleção líquida. Nesta terapia especificamente, recomenda-se a furosemida na dose de 2 a 4 mg/kg a cada 12 ou 8 horas associada à espironolactona na dose 1 a 2 mg/kg a cada 12 horas, ambas por via oral. Quando o uso crônico dos diuréticos é necessário, recomenda-se a associação dos fármacos pertencentes ao grupo dos iECA, já que pode ocorrer ativação do SRAA, favorecendo, dessa forma, a progressão da ICC.
Grupo 2: Animais normovolêmicos
Os animais que pertencem a este grupo são aqueles que apesar de apresentarem a volemia normal, podem apresentar as mesmas manifestações clínicas de ICC, mesmo não possuindo uma cardiopatia. Este quadro pode ser observado na insuficiência hepática, no edema pulmonar não cardiogênico, edema cerebral, nas efusões de origem neoplásica, entre outras. Nestes animais, o acúmulo de líquido anormal em espaços do organismo como abdômen e pleura, pode ocorrer devido a alterações na permeabilidade vascular consequente de processos inflamatórios ou lesões diretas no endotélio vascular, presentes nos quadros mórbidos citados.
Insuficiência hepática
É comum a ocorrência de acúmulo de líquido abdominal ou subcutâneo em pacientes com hepatopatia, fato esse denominado ascite ou anasarca. Nestes animais ocorre a diminuição da produção de albumina pelo parênquima hepático, tanto pela diminuição do número de hepatócitos, como pela disfunção dos mesmos, sendo a hipoalbuminemia responsável pela diminuição da pressão oncótica e consequente elevação da pressão hidrostática no meio intravascular. A hipertensão portal é um outro mecanismo que deve ser considerado em animais com fibrose hepática, favorecendo o extravasamento de líquido do meio intravascular.
No tratamento dessas condições, a prescrição da espironolactona é recomendada para promoção de diurese moderada, considerando a frequente condição de hiperaldosteronismo na insuficiência hepática crônica. Nos animais em que o grau de diurese é maior, a espironolactona associada à furosemida representa uma boa terapia farmacológica.
As doses recomendadas de espironolactona e furosemida são as mesmas anteriormente descritas.
Edema pulmonar não cardiogênico
O edema pulmonar não cardiogênico ocorre principalmente quando existe uma alteração na permeabilidade dos vasos e capilares sanguíneos pulmonares, por lesões diretas ou indiretas nos pulmões. A alteração na permeabilidade vascular acarreta na formação de fluído rico em proteínas, alterando a pressão oncótica e consequentemente causando edema pulmonar. A principal consequência do edema pulmonar cardiogênico ou não cardiogênico é a hipóxia grave. No entanto, a diferenciação etiológica do edema pulmonar é importante, afinal o tratamento será direcionado à causa de base.
Dentre as causas do edema pulmonar não cardiogênico, são citadas: choque elétrico, convulsões, paralisia de laringe, pancreatite grave, dilatação ou torção gástrica, pneumonia por aspiração, inalação de fumaça, trauma pulmonar, nefropatia, uremia e insuficiência hepática.
O tratamento visa a resolução da causa de base e o uso de diuréticos pode ter benefício limitado nestes casos. A furosemida pode ser indicada nas doenças em que ocorre o aumento da pressão hidrostática intravascular isoladamente ou associada a alteração da permeabilidade vascular. Essas condições ocorrem no edema pulmonar neurogênico (choque elétrico e convulsões). As doses recomendadas de furosemida são as mesmas anteriormente descritas.
Efusão pleural, efusão pericárdica e ascite não cardiogênicas
A efusão pleural e a ascite não cardiogênicas podem ser manifestações clínicas de outras doenças além das cardiopatias. A ascite, conforme anteriormente citado, pode ser observada em animais hepatopatas com hipoalbuminemia grave ou com neoplasias localizadas na cavidade abdominal. A efusão pleural não cardiogênica apresenta como causa comum as neoplasias localizadas na cavidade torácica.
A efusão pericárdica é definida como o acúmulo de líquido anormal no interior do saco pericárdico, sendo o tamponamento cardíaco uma das consequências mais graves causadas pela condição. O tamponamento cardíaco ocorre quando o líquido da efusão pericárdica restringe o relaxamento e a complacência atrial e ventricular, podendo causar choque cardiogênico. Quando o paciente apresenta manifestações clínicas de choque, deve-se obter imagens ecocardiográficas para confirmar o tamponamento cardíaco para em seguida submeter o animal à pericardiocentese, o mais rápido possível, a fim de melhorar o quadro emergencial.
Ao contrário do que se espera, o quadro de efusão pericárdica com o tamponamento cardíaco não tem como causa principal as cardiopatias, mas sim a pericardite idiopática e as neoplasias cardíacas, principalmente aquelas localizadas na base do coração.
Após a realização da pericardiocentese, os fármacos indicados para o tratamento da efusão pericárdica são a furosemida e a espironolactona, em associação, nas doses já descritas anteriormente no texto. Pode ser necessária a utilização de prednisona na dose de 0,5 a 1mg/kg a cada 24 ou 12 horas, afinal a causa da efusão pericárdica geralmente é inflamatória ou neoplásica.
Edema cerebral
O edema cerebral é uma condição que pode estar presente nos quadros de traumatismo craniano e também no status epileticus. Nestes quadros, os diuréticos de alça, como a furosemida, são os de primeira escolha no tratamento dos animais com esta grave condição. Evidências mostram a rápida ação da furosemida na diminuição da pressão intracraniana, e a nível cerebral, parece diminuir a captação de sódio, reduzindo assim, o edema celular. Recomenda-se dose inicial de furosemida de 1mg/kg por via intravenosa ou 2mg/kg por via intramuscular, seguido de 0,5mg/kg por via intravenosa a cada 2 ou 4 horas, de acordo com o quadro clínico do paciente.
O manitol também pode ser indicado nos quadros de edema cerebral, pois redistribui o fluido anormal presente no cérebro para o meio intravascular, além de promover reperfusão e mobilização de radicais livres. No entanto, o manitol deve ser prescrito com cautela para animais com traumatismo craniano hemorrágico ou cardiopatas, pois o mesmo aumenta o volume intravascular, podendo agravar o quadro hemorrágico e causar edema pulmonar.
Grupo 3: Animais com diferentes estados de volemia
Neste grupo, podemos incluir os animais que, dependendo da fase da doença em que se encontram, podem apresentar-se hipovolêmicos, hipervolêmicos ou normovolêmicos. Podem ser citados como exemplos desse grupo os animais com insuficiência renal crônica em fase oligúrica ou anúrica, e os animais em quadro de edema pulmonar com difícil resolução já submetidos a terapia intensa com diuréticos.
Doença renal - fase oligúrica ou anúrica
A oligúria ou anúria são condições frequentes durante a evolução da injúria renal aguda (IRA) e na fase avançada ou terminal da doença renal crônica (DRC). Na IRA, oligúria e anúria são consideradas condições emergenciais pois, com a abordagem adequada, existe a possibilidade de regeneração e retorno à função das células tubulares renais. A diurese deve ser induzida rapidamente para assegurar a estabilização de diversos parâmetros como volemia, taxa de filtração glomerular, fluxo sanguíneo renal e nível sérico de potássio.
A persistência da oligúria pode causar danos à hemodinâmica acarretando a condição de isquemia que favorece ainda mais a persistência das lesões renais. Com o objetivo de se obter a diurese rapidamente, a furosemida é indicada. A dose recomendada é de 2 a 4 mg/kg por via intravenosa, e caso a diurese esperada não for observada em aproximadamente 30 minutos, recomenda-se a nova administração de furosemida, na dose de 4 a 8 mg/kg por via intravenosa, pois a condição de diminuição da taxa de filtração glomerular e do baixo fluxo sanguíneo prejudicam a secreção tubular proximal do medicamento. Além disso, a prescrição da furosemida deve ser cautelosa e o estado de hidratação deve ser rigorosamente monitorado, pois nos animais desidratados e hipovolêmicos, os efeitos da furosemida podem ser deletérios ao animal.
O manitol deve ser evitado nestes animais por causar rápida expansão de volume intravascular, aumentado os riscos de provocar edema pulmonar, principalmente quando alguma disfunção cardíaca estiver presente.
Edema pulmonar cardiogênico de difícil resolução
Nestes animais o estado volêmico pode se alterar em algumas horas sem que o edema pulmonar cardiogênico (EPC) tenha evolução favorável. Conforme descrito anteriormente, o tratamento do EPC baseia-se entre outras estratégias terapêuticas, no uso de diuréticos, e principalmente da furosemida. Porém alguns pacientes com função renal normal e diurese presente podem evoluir desfavoravelmente e a administração contínua de furosemida por horas pode acarretar em hipovolemia e consequente hipotensão. Nessas condições o animal inicialmente apresenta um quadro de hipervolemia secundário à ICC, e evolui para a hipovolemia devido ao uso excessivo de diuréticos. O manejo terapêutico nestes casos deve ser cuidadoso, pois o risco de óbito é maior e a função renal pode ser comprometida, sendo que o uso de outros fármacos como a dobutamina, além da furosemida, é necessário.
Considerações Finais
O uso de diuréticos é recomendado tanto nos processos de ICC, como em outras doenças que podem acarretar no acúmulo de líquido anormal no organismo. A escolha do diurético, bem como a dose, está na dependência da gravidade do quadro clínico apresentado. Geralmente a terapia diurética abrange os diuréticos de alça (furosemida e torasemida), os poupadores de potássio (espironolactona), os tiazídicos (hidroclortiazida) e os diuréticos osmóticos (manitol), e muitas vezes a associação destes fármacos. A monitoração frequente do paciente durante a terapia diurética é essencial, principalmente devido ao risco de desidratação, hipotensão e choques cardiogênico e hipovolêmico nos pacientes em disorexia, anorexia, oligodipsia ou adipsia. Os distúrbios eletrolíticos também devem ser monitorados pois a evolução de tais distúrbios pode gerar disfunções graves no organismo.
O sucesso no tratamento das condições e doenças supracitadas depende de várias medidas terapêuticas complementares, tais como a utilização de outros grupos de fármacos, estratégias cirúrgicas e manejo nutricional do animal acometido.
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