Utilização de glicosaminoglicanos (GAGS) na cistite intersticial idiopática felina: relato de caso

Empresa

Labyes

Data de Publicação

21/01/2020

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Resumo

Descreve-se a utilização de glicosaminoglicanos (GAGS) em um felino com doença do trato urinário inferior associada à retenção urinária, por bexiga não reflexa, decorrente de comprometimento neurológico. 

Os GAGS desempenham papel fundamental na fisiologia normal e patológica da bexiga. Os resultados obtidos comprovam clinicamente que os GAGS se mostram efetivos no tratamento em longo prazo dos distúrbios do trato urinário inferior. 

Introdução

As doenças do trato urinário inferior (DTUI) são comuns na prática da clínica veterinária e podem ocorrer em gatos de ambos os sexos e de várias faixas etárias. Os principais sinais clínicos observados são disúria, hematúria, estrangúria, polaquiúria e incontinência urinária. A cistite intersticial/idiopática é a mais comum em gatos com menos de 10 anos de idade e corresponde a 64% dos casos de DTUI. O termo cistite intersticial é reservado aos gatos que têm sinais clínicos recorrentes ou sinais clínicos persistentes (CHEW; BUFFINGTON, 2006). 

Material e métodos 

Um felino, Siamês, idade entre 9 e 10 anos, sexo feminino, com histórico de febre aos 6 meses de idade e paralisia gradual com perda de propriocepção dos membros posteriores aos 10 meses de idade, iniciou aos 4 anos de idade retenção urinária por bexiga não-reflexa. Com 7 anos passou a apresentar episódios de cistite recorrentes. Os exames microbiológicos de urina revelaram a presença de Streptococcus spp, Escherichia coli e Proteus spp, nos próximos dois anos que se seguiram. Aos 8 anos de idade iniciou polidipsia e poliúria; ao mesmo tempo diagnosticou-se, através de sorologia, como portadora do vírus da Imunodeficiência Felina (FIV). 

No início do ano de 2005 apresentou um episódio de febre; o hemograma revelou leucocitose com neutrofilia e anemia não-regenerativa. Os valores de bioquímica sérica - creatinina e uréia - estavam elevados. O exame químico de urina apresentou densidade baixa (1,008) e o exame microbiológico, presença de Streptococcus spp. 

Em maio do mesmo ano passou a apresentar episódios de hematúria, inclusive com a eliminação de coágulos sangüíneos. O tratamento iniciado em junho de 2005 consistiu na administração de sulfato de condroitina A (Condroitin®) na dose de 0,25 ml por via subcutânea, a cada 72 horas, durante 30 dias e, a partir daí, 0,25 ml a cada 96 horas, por um período de 7 meses (até janeiro de 2006). Na ocasião, a paciente veio a óbito em decorrência de complicações da insuficiência renal crônica.

A paciente não apresentou hematúria, nem incontinência urinária como conseqüência da retenção urinária durante o período em que se manteve sob tratamento com Condroitin®

Resultados e discussão

Lesões neurológicas que promovem o rompimento da alça neuronal motora inferior do arco de micção reflexa impedem a contração do músculo detrusor. A ausência de sensação de repleção da bexiga e o rompimento da atividade motora eferente para indução da contração detrusora, produzem um bexiga neuropática flácida (não-reflexa). A retenção urinária pode tornar-se grave e a distensão e capacidade da bexiga aumentam progressivamente. Isto predispõe ao desenvolvimento de infecção do trato urinário: conseqüentemente, a lesão ao parênquima renal pode ser suficiente para causar insuficiência renal crônica (MOREAU; LEES. 1992). A insuficiência renal poliúrica resulta na redução da osmolaridade urinária, favorecendo também o crescimento bacteriano. Embora o estado poliúrico favoreça a eliminação mecânica das bactérias, a alteração na composição química associada à poliúria aparentemente suplanta o efeito benéfico no trato urinário inferior; ao mesmo tempo a retenção urinária em animais poliúricos pode resultar em distensão da bexiga, com redução dos efeitos antibacterianos da mucosa (BROWN; BARSATTI, 1992). O fluxo unidirecional da urina atua na remoção mecânica das bactérias, mas este efeito depende do completo esvaziamento da bexiga. 

Nas teorias propostas para explicar a inflamação vesical na DTUI e na Cistite Intersticial (CI) incluem-se as infecções virais, doença mediada por mastócitos e defeito na camada superficial de GAGS da mucosa urinária. Há evidências de um caráter neurogênico na inflamação vesical onde é observado um aumento no número de fibras nervosas sensoriais na lâmina própria da bexiga. Em gatos, os GAGS parecem impedir a difusão de componentes da urina para dentro da parede da bexiga, bem como dificultam a aderência de bactérias ao urotélio. 

Na DTUI o paciente apresenta uma diminuição significativa na excreção urinária dos glicosaminoglicanos. O baixo nível urinário dos GAGS está associado a um aumento na permeabilidade do epitélio e induz ao aparecimento do processo inflamatório. 

O principal glicosaminoglicano urinário do felino é o sulfato de condroitina, cuja concentração sofre uma marcada redução com a idade. Também se sabe que a produção desta camada protetora de GAGS encontra-se sob controle hormonal. Coelhas que sofreram ovário-histerectomia mostraram-se mais suscetíveis à infecção do trato urinário. 

A hematúria reflete a perda da barreira endotelial/epitelial em algum local ao longo do sistema de coleta da urina, desde a pelve renal até o orifício uretral (KAUFMAN, 1992).  

Os microorganismos mais freqüentemente associados com infecção do trato urinário inferior em gatos são Escherichia coli, Pasteurella spp, Proteus spp, Staphylococcus spp e Streptococcus spp. 

O Condroitin® da Labyes S.A. (sulfato de condroitina A) é um produto natural extraído a partir da purificação da cartilagem traqueal bovina. É indicado para o tratamento de artroses primárias e secundárias, osteoartrites e osteocondroses, espondiloses, espondiloartroses e artrose secundária à displasia. Porém, o presente trabalho mostrou o uso do produto nas doenças do trato urinário inferior, principalmente na cistite intersticial/idiopática, no que se refere à proteção da mucosa urinária e para diminuição de sinais clínicos importantes. 

Conclusão

Cada vez mais estudos estão sendo realizados para provar a aplicabilidade do sulfato de controitina A na fisiopatologia das doenças do trato urinário inferior, com o objetivo de controle dos sinais clínicos e melhora na qualidade de vida do paciente. 

Referências bibliográficas

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RECHE JUNIOR, Archivaldo and HAGIWARA, Mitika Kuribayashi. Similarities between the feline idiopathic lower urinary tract disease and human interstitial cystitis. Cienc. Rural, Jan./Feb. 2004, vol.34, no.1, p.315-321. ISSN 0103-8478.