Em janeiro de 2019, foi publicada uma revisão do grupo do doutor Domenico Santoro, da Universidade da Flórida, na revista Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. Neste trabalho, são levantados tópicos muito relevantes e atuais sobre a terapia da dermatite atópica canina. Abaixo, selecionamos alguns destes pontos, com enfoque no tratamento tópico desta doença.

Introdução

A dermatite atópica canina (DAC) é uma doença de pele de predisposição genética, de caráter inflamatório e altamente pruriginosa, com sinais clínicos bem definidos e produção de imunoglobulina E (IgE) contra alérgenos ambientais.

A DAC é extremamente comum em cães, afetando entre 3% e 15% da população canina e mais de 58% de cães com algum tipo de doença de pele. Mais de 70% dos cães atópicos, desenvolvem os primeiros sinais clínicos entre 1 e 3 anos de idade.

Clinicamente, a doença é caracterizada por inflamação crônica, prurido e infecções de pele recorrentes.

Patogênese

A patogênese da doença é complexa e não foi completamente elucidada. O primeiro passo, envolve a sensibilização do sistema imune por alérgenos ambientais que penetram ativamente pela pele, levando ao recrutamento e ativação de células inflamatórias via ligação de IgE. Sendo ativadas, ocorre a produção de múltiplos mediadores inflamatórios como citocinas e quimiocinas. Por fim, observa-se também defeito na barreira cutânea (primário ou secundário), associado a uma maior penetração de alérgenos pela pele, o que piora a resposta inflamatória. Outros fatores que exacerbam esses quadros são as infecções bacterianas (Staphylococcus pseudintermedius) e fúngicas (Malassezia pachydermatis).

Devido à diversidade dos fenômenos envolvidos na patogenia da DAC e à variedade de apresentações clínicas, uma abordagem terapêutica mais racional e específica é indicada para cada paciente. As opções terapêuticas devem ser adequadas para cada cão atópico, levando-se em consideração as necessidades individuais.

Considerações sobre o tratamento

O tratamento da DAC deve ser baseado em quatro fatores:

• Tempo (lesões agudas x crônicas)
• Presença de prurido 
• Inflamação
• Infecções secundárias

Tratamento tópico

A abordagem tópica do tratamento da DAC visa três objetivos principais: 

• 1- Oferecer hidratação
• 2- Reduzir a inflamação e o prurido 
• 3- Refazer a Barreira cutânea.

1 - Hidratantes

Visam aumentar a quantidade de água na pele reduzindo a perda transepitelial de água (TEWL) por meio de agentes oclusivos (ex: óleos) ou moléculas higroscópicas, que atraem água do ambiente ou dos tecidos subcutâneos (ex: aveia coloidal). A hidratação sozinha é capaz de reduzir significativamente o prurido e a necessidade de uso de drogas antipruriginosas. 

O uso do shampoo Allermyl^® Glyco por 3 a 4 semanas mostrou-se capaz de reduzir o prurido e o escore lesional na maioria dos cães avaliados.

2 - Anti-inflamatórios

As drogas anti-inflamatórias tópicas mais utilizadas são os corticoides e inibidores da calcineurina. Baseado em sua estrutura química, os corticoides podem ser divididos entre os de “velha” e “nova” geração. Estes últimos, incluem corticoides que formam diésteres como furoato de mometasona e aceponato de hidrocortisona, que são metabolizados in situ em moléculas inativas, reduzindo sensivelmente a possibilidade de efeitos colaterais.

O aceponato de hidrocortisona (Cortavance^®) foi administrado a cães com dermatite atópica por até 70 dias. Após 28 dias, houve melhora dos sinais clínicos em 73% e do prurido em 46,6% dos cães. Esses resultados foram confirmados por um segundo estudo que comparou a eficácia do uso diário do Cortavance^® com a ciclosporina por 84 dias. Houve equivalência clínica nos resultados com ausência de efeitos colaterais. Mais estudos posteriores confirmaram a eficácia do Cortavance^® na redução dos sinais clínicos, prurido e TEWL, com ausência de efeitos adversos, incluindo estudos que utilizaram o produto em tratamento profilático (terapia proativa).

Juntos, estes estudos mostraram um significativo benefício clínico do uso do Cortavance^® no tratamento da DAC como prevenção ou terapia de controle. Além disso, o produto mostra uma ampla margem de segurança no uso de curto ou longo prazo.

3 - Barreira Cutânea

Estudos mais recentes sobre o tema mostram que existem, de fato, alterações na barreira cutânea de humanos e cães atópicos, e essa alteração pode ser de natureza primária ou secundária. Os resultados de tais estudos, mostram que ácidos graxos e ceramidas demonstram bons resultados como auxiliares no tratamento da DAC.

Em medicina veterinária, o primeiro estudo mostrando os benefícios do uso tópico de uma formulação spot-on contendo ceramidas, ácidos graxos e colesterol (Allerderm^® spot-on) foi publicado em 2008. Após 6 semanas de uso, observou-se uma significativa reorganização dos lipídeos intercelulares, devido a um possível aumento na produção e secreção endógena desses lipídeos.

Os resultados positivos com Allerderm^® spot-on foram confirmados por outros estudos que, juntos, mostraram que o uso de reparadores da barreira cutânea traz benefícios no tratamento da DAC. Especificamente, eles são capazes de reduzir a inflamação e restaurar os lipídeos intercelulares, normalizando a barreira cutânea dos cães atópicos. 

Peptídeos Antimicrobianos

Na última década, um aumento alarmante no número de casos de resistência bacteriana tanto em pessoas quanto cães atópicos vem sendo documentado. Tais casos requerem o uso constante de antimicrobianos com o potencial risco de seleção de bactérias resistentes. Por essa razão, as pesquisas têm se voltado para a busca de soluções alternativas para o tratamento das infecções secundárias, comuns nos pacientes com DAC.

Sob tal perspectiva, muitos estudos vêm sendo conduzidos com o uso de extratos vegetais capazes de exercer um efeito positivo sobre o sistema imunológico e as defesas naturais da pele.

O uso do extrato de Boldo (Peumus boldus) e do extrato de Ulmária (Filipendula ulmaria) foi testado in vitro em queratinócitos de cães saudáveis e atópicos, mostrando um efeito positivo na produção e secreção dos petptídeos antimicrobianos sem estimular a inflamação. 

Esses extratos também foram testados in vivo, em cães com DAC. Como resultado, observou-se uma importante redução da carga bacteriana, em especial do Staphylococcus spp., dentro de 14 dias de tratamento.

Referências bibliográficas:

• SANTORO, D. Therapies in Canine Atopic Dematitis: An Update. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. V 49. p. 9-26. 2019.
• SANTORO, D.; et. al. Evaluation on the effects of 0.1% Peumus boldus leaf and Spiraea ulmaria plant extract combination on bacterial colonization in canine atopic dermatitis: A preliminary randomized, placebo controlled, double-blinded study. Research in Veterinary Science. V 118. p. 164–170. 2018.